quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

TEOLOGIA EXISTÊNCIAL

Por anos, não me dei conta de que agi como um religioso obstinado. Hoje lamento ter sido um inquisitorial que defendeu a “verdadeira doutrina”; renego ter me sentado na cadeira do fariseu intolerante que espezinhou pessoas simples; choro porque já calei diante de desmandos de gente “famosa” só para continuar bem quisto; tenho vergonha de já ter envernizado minha fala para angariar simpatias de um clero que hoje desdenho. Para surpresa dos fundamentalistas, mas para alegria dos meus familiares, mudei bastante nos últimos anos. Adianto: não estou nem um tiquinho preocupado em ser bem falado pelos puritanos que tentam ressuscitar a ética vitoriana; não perderei meu sono com os que se escandalizam com meus textos pessimistas. Aliás, aconselho os piedosos que não visitem mais meu site, pois vou continuar escrevendo textos bem sombrios. Amiga leitora, você não imagina como eu ri quando recebi mensagens eletrônicas de crentes escandalizados com meu arrebatamento profano. Lembra aquela noite quando me deliciei com a cananéia Mercedes Sosa?, foi aquele. Minha nova teologia não é nova e nem é minha. Ela vem sendo vivenciada por teólogos latino-americanos que se distanciaram do cânon oficial – gente da estirpe de Juan Luis Segundo, Gustavo Gutierrez, René Padilla, Orlando Costas, Leonardo Boff e Jung Mo Sung. As coisas degringolaram de vez quando me apresentaram Brian McLaren, Rob Bell e os malucos da “Emergent Church”. Realmente, não consigo gostar dos livros do Max Lucado e se não me sinto tentado a organizar minha igreja com os “propósitos” do Rick Warren. Minha nova teologia carrega o anseio da liberdade. Aceito que sou um romântico desvairado sempre empolgado com essa palavra tão complicada. Eis o motivo porque concordo com Karl Rahner que “a liberdade é sempre mediada pela realidade concreta do espaço e tempo, pela corporalidade e pela história do homem”[1]. Assino em baixo com Jürgen Moltmann quando ele diz que “liberdade é um movimento criador". Vibro quando ele afirma que: “Aquele que em pensamentos, palavras e ações transcende o presente em direção ao futuro, este é que é livre. O futuro é para se entendido como o espaço livre para liberdade criadora”[2]. Não tenho como negar meu apreço por Paul Tillich e por seu conceito de liberdade como fundante do destino – “A liberdade é experimentada como deliberação, decisão e responsabilidade... Á luz dessa análise de liberdade, torna-se compreensível o sentido de destino”[3]. Gosto das articulações de Jonathan Sacks quando ele afirma que o conceito de liberdade forma o alicerce do vínculo pactual entre Deus e o homem: O conceito de um vínculo pactual entre Deus e o homem é revolucionário e não tem paralelo em nenhum outro sistema de pensamento. Para os antigos, o homem estava à mercê de forças impessoais que tinham que ser aplacadas... no humanismo secular, o homem está sozinho num universo cego às suas esperanças e surdo às suas preces. Todas estas visões são coerentes, e cada uma tem seus adeptos. Mas somente no judaísmo encontramos a asserção de que, apesar da sua completa disparidade, Deus e o homem se encontram como “parceiros no trabalho da Criação”. Não conheço nenhuma outra visão que confira ao ser humano tamanha dignidade e responsabilidade “[4]. Minha nova teologia tem como ponto de partida não a teoria, mas a vida com suas ambigüidades e paradoxos. Não parto de premissas teóricas do arrazoamento “científico” da verdade; não me encanto com devaneios conceituais do mundo do "andar de cima"; quero trabalhar com a revelação da história onde ponho os meus pés. Quero perceber o amor de Deus no decorrer da vida com tudo o que ela apresenta de bom e de ruim. Não pretendo interpretar o mundo, só quero modificá-lo para que nele se antecipe o Reino de Deus. Faço minhas as palavras de Moltmann em sua análise da Teologia da Libertação: “Ao contrário das teologias metafísicas, trancendentalistas ou personalistas, a Teologia da Libertação começa com a história como palco da manifestação de Deus e do encontro do homem com Deus. Com isto ela se liga às tradições bíblicas da história de Israel e da história de Cristo... “[5]. Nesse chão hermenêutico faço minha nova teologia, procurando criar práxis que desmonte estruturas injustas, opressoras e alienantes. Sem desmerecer a ortodoxia, procuro muito mais realizar ações transformadoras da realidades, do que tentar vingar minha exatidão conceitual – “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” João 13.35. Minha nova teologia é a antiga “teologia da esperança”. Acho que foi por isso que vibrei tanto com Carlos Mesters quando me ensinou que o relacionamento de Deus com seu povo é um apelo ao dinamismo e não à resignação: A presença de Deus na vida era percebida [no relato bíblico], antes de tudo, como apelo, como dinamismo, como futuro, que atraía e chamava o povo a ultrapassar-se, não permitindo que se acomodasse na estrada. A frase tantas vezes repetida: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo (Ex 6.7), fazia saber que o relacionamento com Deus no presente era apenas uma amostra-grátis daquilo que ele seria no futuro. A outra frase, igualmente freqüente despertava o povo a nunca contentar-se com o que já possuía, e a aprofundar onde estava escondido o germe de toda liberdade. Com outras palavras, a presença de Deus era percebida e vivida como o fundamento da esperança que os animava e os fazia caminhar. Ela era uma força que dinamizava a vida para a frente, levando o povo a conquistar-se e a conquistar o futuro que ele entrevia no contacto com esse Deus[6]. Minha nova teologia não se restringe em preparar gente para ir para o céu, quero aprender experimentar, aqui e agora, a vida em abundância que Jesus prometeu. Por fim, acho que minha nova teologia tem uma pitada de existencialismo – não sei se Kierkegaard gostaria de saber disso - porque acredito que o Reino de Deus já está entre nós; peço que Ele me dê olhos para ver, ouvidos para ouvir e coração para sentir esta realidade. (POR ALAOR COUTINHO GOMES).

sexta-feira, 12 de outubro de 2012


O Espírito de mentira na boca dos profetas


1. Eu devia cobrar essa aula... Mas vou dar a aula de graça, e fica como uma isca para você vir estudar Teologia na Unida, se desejar aprender essas coisas relacionadas à Bíblia.

2. 1 Re 22,21. Todas - anote: TODAS - as versões evangélicas em Português (que consultei até hoje) traduzem - ERRADO - "um espírito". A "badaladíssima" NVI, que se diz "nova", traduz assim:

"até que, finalmente, um espírito colocou-se diante do Senhor e disse: 'Eu o enganarei'"

3. Está errado. É um erro que um aluno de primeiro período de Hebraico não comete. A palavra traduzida por "espírito" é ruah. Está certo. Se você encontra "ruah" no texto, pode traduzir, como "espírito", de três modos: a) espírito, sem artigo algum, b) um espírito, com artigo indefinido, e c) o espírito, com artigo definido, dependendo do contexto. Ou seja: não é preciso haver artigo no Hebraico para que se possa/deva pôr artigo na tradução em Português...

4. Mas e o contrário? E quando, no Hebraico, há artigo? Bem, nesse caso, só se pode traduzir com artigo e - NUNCA - sem artigo. Assim, se você encontra no texto "haruah" (ha, artigo, mais ruah, espírito), então tem de traduzir "o espírito".

5. Em 1 Re 22,21 não está escrito "ruah", está escrito "haruah", logo, o tradutor, goste ou não, queira ou não, tem de traduzir "o espírito". No entanto, todas as versões evangélicas traduzem "um espírito".

6. Por quê? Por que o tradutor sabe Hebraico - tem até mestre e doutor em Hebraico envolvido com essas traduções - e, ainda assim, traduz errado?

7. Minhas respostas não são boas. Eis algumas respostas minhas:

a) interesse comercial - se ele traduz certo, vai dar dor de cabeça para os pastores das igrejas, a Bíblia vai encalhar, porque os pastores vão falar mau da Bíblia, e a Editora vai ter prejuízo;

b) negligência na tradução - o sujeito sequer olha o texto hebraico: abre 15 Bíblias na sua frente e faz um mamãe-mandou-bater-nessa-daqui. Basta você ler umas dez versões e verá a que copia de quem...

c) censura teológica - o tradutor não pode admitir o que está lendo, então, como é um santo homem e fiel crente, traduz de forma a proteger a sã doutrina de Deus, ainda que, para proteger a sã doutrina de Deus, tenha que trair a sã Palavra de Deus...

8. No caso de 1 Re, a história é a seguinte: Deus quer enganar o rei Acabe, fazer com que ele ataca determinada cidade, julgue que vai ganhar, perca e morra. Pede ajuda aos conselheiros da corte celeste para ver como poderiam enganar o rei, mas nenhum conselheiro tem uma ideia.

9. Então, o texto Hebraico diz que "haruah" - "o" espírito - se aproxima e diz que vai enganar Acabe. Deus fica animado e pergunta como, e "o" espírito responde que se tornará um espírito de mentira na boca dos profetas de Acabe, os profetas dirão que é para o rei subir contra a cidade, o rei atacará a cidade, julgará que vencerá, porque acreditará que Deus mandou - e, de fato mandou, mas para enganá-lo e ele morrer - e, como Deus quer, enganado pelo espírito, Acabe morrerá...

10. É demais para a cabeça do bom tradutor crente... Como "o espírito" pode enganar? Ele vai mentir para o rei? Vai... De modo que não pode ser...

11. Pior, para o tradutor crente, protetor da sã doutrina de Deus, "o espírito" do Antigo Testamento é "o Espírito Santo" do Novo Testamento - a cabeça dele não aguenta tanta confusão doutrinária - Deus enganar, o Espírito Santo mentir - e, então, com toda a "boa intenção" do mundo, o tradutor... mente...

12. Ele escreve "um espírito"...

13. O leitor poderá ser "esclarecido" de que se trata de "um espírito qualquer"... Aquele de Jó, talvez... Isso: o diabo! Pronto. Deus e o Espírito Santo estão protegidos e o diabo - como sempre - leva a culpa. O tradutor, assim, espera salvar as velhinhas da igreja de um colapso, salvar o escritor bíblico de ficar escrevendo bobagens e salvar Deus de enganar e o Espírito Santo de mentir...

14. Mas quem mente é ele, o tradutor.

15. É "o (próprio" espírito" de Yahweh/de Deus que se oferece para o serviço sujo - enganar o rei. No Antigo Testamento, ruah é apenas um secretário de Yahweh, que trabalha para ele, seja para fazer coisas boas, seja para fazer coisas ruins, como os secretários de Davi...

16. Quando Davi quer estuprar Batseba, mandou Joabe, seu secretário buscar a moça. Como o coronel Jesuíno, Davi a usa e manda embora: Joabe a leva. Ela engravida, Davi manda Joabe ir buscar o marido corno, Urias. Ao contrário de Davi, que em época de guerra estupra moças de família, Urias não se deita com a esposa, fica na porta. Joabe conta pra Davi. Davi manda Joabe pôr Urias lá na frente da batalha, pra que ele morra... E ele morre.

17. "Ruah", no Antigo Testamento, é uma espécie de Joabe de Yahweh, seu secretário. Por isso, quando Yahweh quer enganar o rei, e ninguém sabe como, ele, o ordenança de Deus, se apresenta e diz que resolve a parada.

18. E resolve...

19. O tradutor, coitado, se vê numa situação complicada, porque, em vez de traduzir a coisa como ela era apresentada há séculos atrás, quer fazer a passagem adaptar-se à fé, à teologia, à ética dos crentes de hoje.

20. A conta não fecha.

21. E, se não fecha, pior para a Bíblia: faz a Bíblia dizer o que nós queremos que ela diga...

22. E nós, professores críticos, é que somos hereges...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 14 de setembro de 2012


"Ruah-Exú"

O texto é do Prof. Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro, disponível em: http://peroratio.blogspot.com.br/2010/11/2010570-ah-esses-tradutores-de-biblia.html
O título dado pelo ilustre teólogo à sua postagem é "Ah, esses tradutores de Bíblia...", mas não resisti à tentação de dar ao meu post - compartilhamento ipsis literis do texto do Osvaldo - o (sub-)título "Ruah-Exú" [que (não) me perdoem os estimados possíveis leitores cristãos ortodoxos...(rsrsrs)]*

1. Um capítulo relevante da "Teologia" é o capítulo das traduções da Bíblia. Um bom jornalista investigativo faria, sem dúvida, uma matéria avassaladora, se nos contasse os bastidores desse mercado. Nós, que lidamos ano após ano com os textos publicados por insuspeitáveis editoras, comprometidíssimas que são com a sã doutrina!, que sabemos dos rios de dinheiro que correm por sob essa ponte, e que conhecemos o resultado da tradução desses livros bíblicos, nós temos uma relativamente boa idéia de como funciona a coisa lá embaixo. Cá em cima, à luz do dia, o mercado conta os milhões - bilhões? - de dólares que isso rende.

2. A Bíblia está cheia - não é um nem são dois casos - de traduções mal feitas, sistematicamente repetidas, o que denuncia compromisso de censura ou absoluta impostura da parte das Editoras e dos tradutores. E isso é assim também porque não há nada mais herético do que uma Bíblia bem traduzida - explicar as boas traduções, dizer porque é assim, implica em revelar o funcionamento interno da "Teologia", das doutrinas, revelar que tudo não passa de cooptação da fé de povos originariamente não-cristãos, não-judeus, longos desenvolvimentos e transformações na história, ou seja, que doutrinas e Teologias, todas, sem exceção alguma, são coisas de homens e de mulheres, coisas que inventamos nesses dois milênios e meio de cristianismo/judaísmo - para o bem e para o mal, a fé é uma colagem de recortes.

3. Isso me remete, parenteticamente, a um parágrafo da monumental biografia que Losurdo escreveu de Nietzsche, que trancrevo: "conhecemos a violenta polêmica de Nietzsche contra a difusão da instrução que acabaria minando a necessária sujeição das vitimas sacrificiais da civilizaão. Também este tema está bem presente na história do pensamento moderno. Para Necker, 'a instrução é proibida aos homens nascidos sem propriedade'; seria uma catástrofe se eles desenvolvessem 'a faculdade de refletir sobre a origem das classes', da 'propriedade' e das 'instituições'; é preciso não perder de vista que a 'desigualdade dos conhecimentos' é 'necessária para a mnutenção de todas as desigualdades sociais; pôr em discussão 'a cegueira do povo' e promover junto dele 'o aumento das luzes' significaria fazer o ordenamento social vacilar'" (Domenico Losurdo, Nietzsche, o rebelde aristocrata, Revan, 2010, p. 397). Sempre, sempre, absolutamente sempre, esconder...

4. Ontem dei uma "aula-teste". Quero aqui usar essa aula-teste. Quero falar de 1 Sm 16,14-23. Primeiro, conto a história que você, se conhece, é assim que conhece, principalmente se é evangélico e lê as versões Almeida. Eis a "história" - falsa, porque ela é um embuste, se assim contada: porque Saul fez alguma coisa desagradável ao Senhor, o espírito de Yahweh (espírito do Senhor) sai dele e passa a atormentá-lo um "espírito mau da parte do Senhor". Porque, quando assim possuído, Saul passa a ter ataques apopléticos, os servos que o cercam diagnosticam o caso: trata-se de um "espírito mau da parte de Deus" que atormenta o rei - se um homem tocar a lira, o espírito mau da parte de Deus vai embora, e Saul fica bem. Saul toma providências. Acaba contratando Davi, e, o verso 23 dá conta disso, toda vez que o "espírito mau da parte de Deus" atormenta Saul, Davi corre, toca a lira, e o espírito mau vai embora.

5. Assim contada (mas, repito, é falsa a história), estamos diante de nossa própria mitologia. Há espíritos maus. De vez em quando, Deus os usa, dando-lhes ordens, para atormentar alguns de seus desafetos. É alguma coisa bem próxima da demonologia que cerca o povo evangélico. Se alguém quer ver esses espíritos maus em ação, basta adentrar um templo neopentecostal, aproximar-se e contemplar a cena dantesca... O que a narrativa faz é transportar essa Teologia/demonologia para o texto. Mas ao custo de fraude.

6. Não é nada disso que o texto hebraico diz. Na aula de ontem, apresentada a alunos de gradução com pouquíssimos conhecimentos de hebraico, eles mesmos me ajudaram, durante o exercício, a fazer a tradução mais adequadamente. E deixem-me contar a história tal qual a Bíblia Hebraica a conta.

7. Porque Saul fizera algo que desagradara a Yahweh, Yahweh retira de Saul o seu "espírito" e imediatasmente, um espírito mau "desde junto de" Yahweh passa a atormentar o rei. Não se trata de um "espírito mau da parte de Yahweh". A construção hebraica "me'et" é a junção de duas preposições - "min" (que indica origem = "desde") e "'et" (que, nesse caso, significa "com", "junto de"): no conjunto, indica localidade de origem. Assim, o que o texto hebraico diz é que, tendo saído de Saul o espírito de Yahweh, um espírito mau que fica junto de Yahweh passou a atormentá-lo.

8. Vendo isso, os servos imediatamente interpretam a cena: caramba!, um (ou o) espírito de Deus mau atormenta o rei. Sim - "espírito de Deus mau". A tradução - nas Almeidas - "espírito mau da parte de Deus" - nos v. 15 e 16 é um crime, um erro grave. No hebraico - ruah 'elohim ra'ah - não permite, sob nenhuma prestidigitação, aquela tradução: literalmente, só cabe: espírito de Deus mau. Nos dois versos - 15 e 16. O que o texto hebraico dá a saber é que se acredita, lá e então, em espírito de Deus mau, assim como se acredita em espírito de Deus bom. Na verdade, os dois conceitos são intercambiáveis.

9. No verso 23, quando a história vai ser, finalmente fechada, Almeida, desgraçadamente, corrompe, de novo, o hebraico: já vimos, quando o espírito mau de Deus (tradução errada) atormenta Saul, Davi toca a harpa, e o espírito mau vai embora. Mas não é isso que o texto hebraico diz. No v. 23, o que está escrito é que, quando o espírito de Deus - sim, ruah 'elohim - atormenta Saul, Davi toca a harpa, e, então, o espírito mau se vai... Vês? Para o texto hebraico, espírito mau desde junto de Yahweh, espírito de Deus mau, espírito mau e espírito de Deus é tudo a mesma coisa - trata-se, sempre, do mesmo agente.

10. A Teologia que está aí parece ser a seguinte: quando Yahweh quer fazer algo bom, manda seu secretário, ruah (espírito, vento, sopro), que, fazendo algo de bom, é interpretado como espírito de Yahweh (ou espírito bom de Yahweh). Quando Yahweh quer fazer algo de ruim, manda o mesmo secretário, e, então, ele é descrito como espírito mau de Yahweh Yahweh não faz, manda fazer, e quem faz, é, sempre, ruah, o espírito, de modo que, se faz algo bom, é bom, se faz algo mau, é mau. Simples assim. Estamos numa época em que o povo acredita que Yahweh pode fazer o que é bom e o que é mau - e ninguém há que lhe possa pôr o dedo em riste...

11. Aí me vêm os tradutores, todos, santíssimos, nobilíssimos, zeladores da sã doutrina, vigilantes da heresia, e, para maior glória de Deus, fazem essa lambança, corrompem o texto bíblico, adulteram a tradução - desavergonhadamente, eu diria, porque, se alunos de graduação sabem traduzir, por que não eles? Sabem, sim, senhores, sabem: é que, alguns, sequer lêem, quando traduzem, mas meramente repetem a longa fila das versões, ao passo que outros, sabedores do que vai embaixo, adulteram programaticamente, porque são zelosos da fé...

12. E eu é que sou o herege! Que orgulho, então!


*para quem não entendeu o paralelo entre Ruah e Exú, consulte: http://www.orixas.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1&Itemid=57 e http://ocandomble.wordpress.com/

terça-feira, 4 de setembro de 2012


Por que sou contra o Ensino Religioso nas escolas

Compartilho um texto bastante pertinente do Prof. Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro, disponível em:


Se ele não aprendeu, como vai ensinar?

1. Sabe aquele aluno (religioso e, não poucas vezes, pastor) que não aprendeu absolutamente nada sobre Ciências Humanas, porque o que ele aprendeu de Antropologia, Sociologia e Psicologia, no curso de Teologia, ele vomitou dez minutos antes da formatura - como é que ele vai assumir uma classe de ENSINO RELIGIOSO, cuja "filosofia" é justamente as Ciências Humanas, vedado todo proselitismo e confessionalismo?

2. Ele vai mentir?

3. Mentir para si e para a criança?

4. Ele vai fazer de conta que o que ele diz todos os dias sobre as outras religiões é mentira, e que elas são todas iguais?

5. Ele vai esquecer que diz todos os dias que Candomblé, Umbanda, Espiritismo, Islamismo (tá na moda, em "missões") e qualquer outra religião são todas coisas do diabo?

6. Ele vai esquecer isso e mentir - para si e para as crianças?

7. Ou vai mentir para a sua função e seu dever e catequizar - que é a única coisa que ele sabe fazer?

8. Uma aluna me disse: professor, pior é quando a Coordenadora é crente...

9. O problema não é apenas a sala de aula - não é apenas o professor que se servirá do sistema para "pregar o Evangelho": a estrutura inteira da Escola, se estiver na mão de crente (e de católicos?), vai se tornar em Cruzada de Jesus.

10. Alguém duvida?

11. Esse aqui, não.

12. E tenham certeza, senhores, que todos os alunos que passarem pela minha classe, na pós-graduação de Ensino Religioso, vão ouvir isso e - acreditem - um bocado mais.

13. Podem me chamar de manipulador e liberal.

14. Melhor do que manipular crianças - sempre elas, em estado de vulnerabilidade: quando não lhes metem a mão nas intimidades, lhes metem a mão na alma...

Da sub-educação teológica de nossos jovens crentes


Osvaldo Luiz Ribeiro*

1. Segunda-feira dei aula de Teologia da Educação Cristã. A turma é híbrida - tem alunos de segundo período e alunos novos, de primeiro período. Você vem no embalo, com os alunos mais velhos (seis meses) e, súbito, o trem para na estação para pegar passageiros novos...

2. Em nenhuma disciplina do planeta, salvo aquelas que exigem pré-requisitos técnicos, isso seria um problema. Mas é teologia. Ninguém está, nunca, pronto para aulas acadêmicas de Teologia.

3. Na segunda, alguém já pergunta a um aluno antigo, depois da aula (escuta, esse professor é ateu?). Ontem, durante a aula de outro professor, perguntam a ele se o professor Osvaldo é crente...

4. Já falo sobre isso. Antes, comentar que é o eterno fluxo das novas fornadas. Todos os anos, alunos entram nas salas de teologia, vindos de suas respectivas EBD. O choque é inevitável, se você respeita a sua profissão de educar. Seis meses depois, já entenderam a coisa toda, um ano depois, começam eles mesmos a fazer os seus próprios questionamentos.

5. Mas as primeiras aulas, inevitavelmente, cabelos arrepiados, carnes trêmulas, ossos retesados, coração paralisado, susto...

6. Alunos novos de teologia...

7. Já disse aqui, outro dia, que considero criminoso o que se faz com os crentes. E o que eles mesmos deixam que façam com eles. Porque não se educam os crentes: se encabrestam. Pensar, nem pensar! Refletir, só a partir do dogma. Liberdade, só de falar mal dos outros, da religião dos outros, mas, para olhar para sua própria fragilidade, não.

8. São vítimas, coitados. E, todavia, vítimas que se tornam, algumas vezes, insuportáveis, porque se trata de uma situação de alienação engajada, a alma se torna violenta, o espírito, de Cruzada. Não são coisa com que se deva preocupar, mas quanto ao estado dessa mente, dessa alma, toda dor que se possa sentir por elas é pouco: estão aleijados, aviltados, violentados.

9. E usaram Deus, a fé e a Bíblia para isso...

10. Na sala de aula, não encontraram - muitas vezes! -, eco doutrinário. Mas isso não é o pior. Porque até poderiam encontrar eco doutrinário contrário à sua fé. No entanto, entrar numa sala de aula, você batista, e deparar-se com um calvinista a distribuir pérolas de Calvino apenas reforça o "jogo" da fé dogmática, o aluno batista faz-se ainda mais batista, ainda mais cruzado, ainda mais "fiel" - na verdade, ainda mais prisioneiro da "Ideia" que o controla e manipula 24 horas por dia...

11. Quando, todavia, ele encontra um professor, dois, três, que, em lugar de se pronunciarem desde uma posição doutrinária, posicionam-se fora do campo de atuação da doutrina teológica, assumem uma meta posição teórico-metodológica para, desde lá, analisar, como iguais, todas elas, todas as doutrinas, todos os dogmas, cristãos ou não, como fenômenos de cultura, fenômenos humanos, condição necessária para o estudo delas, aí, senhores, os "zumbis da fé" entram em colapso, porque, para eles - anotem: para eles - essa é uma posição de não-fé, de ateísmo, de apostasia...

12. Não entendem, mas entenderão, é uma questão de tempo - que o estudo e a pesquisa impõe a você uma meta-posição, a olhar as coisas desde fora, com o máximo de isenção e crítica possível. Mais ainda, não sabem nada de teologia, nada, nada vezes nada, e chegam em sala de aula como se soubessem tudo, porque a EBD lhes ensinou: seus pastores são criminosos, senhores, criminosos...

13. Aos novos alunos, eu diria, como disse, que devem fazer como Maria: guardem as coisas no coração, esperem, tenham paciência, estudem, leiam, reflitam, deem tempo ao tempo.

14. Aos demais, aos pastores, principalmente, eu diria que passou da hora de agir de modo humano com esse povo. Não é necessário acabar com as doutrinas, admito. Mas a catequese devia fazer-se no campo da pluralidade. Os meninos e as meninas "educados" (?) na Igreja deveriam aprender que essa doutrina assim e assim é representativa dessa igreja, mas não daquela, que, naquela, a doutrina é assim assado. Eles aprenderiam que o que têm na mão são tradições históricas, e que há outras, e, mais do que isso, que, acima de todas elas, se pode por-se a estudá-las como fenômeno humano.

15. Mas não: fazem-se de Deus os pastores, e inculcam na cabeça vitimada dos meninos e das meninas essas mesmas tradições, mas com o rótulo de verdade, de inquestionável verdade. Crime.

16. A educação teológica deve enfrentar essas situações - mas não porque isso faça parte da "educação" religiosa: é um acidente que poderia ser evitado. Mas acredito cada vez menos que será, porque, entra ano, sai ano, e lá se vão mais de 20, e a história se repete: a cada nova fornada, biscoitos cada vez mais assados... Ou menos. No ponto, um ou dois...

17. Ah, quase ia esquecendo de responder as duas perguntas: se sou ateu? Se ser ateu é recusar-se a repetir os credos, porque não os pode assumir como outra coisa que não tradição humana, e que como tal os reconhece e como tal os estuda, então sim. Se sou crente? Bem, o diabo é. Faz diferença?

*Osvaldo Luiz Ribeiro é doutor em teologia pela PUC-Rio e professor da Faculdade Unida de Vitória.

(2012/665) Vamos usar a metáfora da Bíblia como cocaína?

1. Eu mesmo, quando vi a foto da Bíblia sendo "cheirada", senti um arrepio de indignação e "nojo". Achei-a, de pronto, de péssimo gosto, e o disse no facebook. Todavia, um senhor golpe de marketing, ainda que não tenha sido programado - mas essa igreja vai aumentar exponencialmente seus seguidores por conta desse golpe de sorte midiático, essa mídia gratuita que a exposição da imagem renderá. Nossa massa popular está pronta para essas coisas. Quanto mais escabrosa, mais seguidores. É a época dos shows, das imagens, da loucura completa...

2. Aqui, quero aproveitar a "onda" e usar a metáfora da Bíblia como droga...

3. E é. A Bíblia, cheirada, fumada, picada na veia, é vendida em diversas bocas denominacionais. Vende tanto a droga, que já não é possível nem falar em bocas denominacionais apenas, que ainda há, e muitas, mas em bocas empreendedoras, de iniciativa privada - qualquer um abre uma boca e vende a sua droga...

4. Nessas bocas - denominacionais ou empreendedoras, de CNPJ ou CPF, tanto faz - só se vende um tipo de droga: você usa assim, e todo mundo que ali consome a droga consome daquele jeito. Na outra boca, ensina-se a cheirar com canudinho. Na outra, picada na veia. Na outra, adesivo na pele. Na outra, num narguilé espiritualóide.

5. Se alguém denuncia a venda de droga, um auê se instala. Usar a droga de modo alternativo, crítico, não: não pode. Fuma, até os olhos ficarem brancos... Seguem-se orgias espirituais...

6. A foto pode chocar - e choca, porque é de baixíssimo nível. Mas é reveladora. É exatamente isso em que a Bíblia se tornou - uma droga...

7. Já vejo os tradicionais se levantarem de suas cadeiras, horrorizados - Osvaldo nos põe no mesmo nível desse "doido". Sei que a reação virá, porque é o mesmo com as igrejas neo - quando digo que é tudo a mesma coisa (em certo nível de análise), aborrecem-se. Mas é tudo a mesma coisa (em certo nível de análise). Da mesma forma como todos vendem a mesma coisa como droga...

8. Drogas de constituição química, dosagem e efeito diferenciado - mas, tudo, droga. Você não pode, nunca ficar sóbrio: é para embebedar-se - e quanto mais loucura, quanto mais maluquice, melhor.

9. Mas o conceito de droga é muito fluido, e você não precisa pensar exclusivamente em cocaína, como a foto-imagem sugere. Pode ser álcool - o álcool do Espírito, que embebeda -, pode ser cafeína - a cafeína do ativismo alucinado -, pode ser anfetaminas e comprimidos para dormir - e quanto não se dorme a vida inteira, embalado em fantasias!

10. Quando, em plena era e guerra do ópio, Marx usou a metáfora dessa droga para a religião, não imaginava que inaugurava - se é que ela não fora usada antes - uma metáfora apropriadíssima para os séculos XIX, XX e, sobretudo, esse nosso, XXI, sociedade de consumo de droga. Entre elas, essa, que, agora, sequer se constrange de ir a público confessar sua condição narcótica.

11. Fuma, não, gente. Cheira, não! Pica, não, gente! Leia, leia com seriedade, com crítica, desmonte de sobre ela o jugo narcótico, o encantamento entorpecente. Desnude esse livro, ele e seus gerentes: acerte as contas com a sua tradição...

12. Se eu acredito que vai acontecer? Não. Nem um pouco. A tendência é piorar - porque, quando você acha que já viu de tudo, nem imagina o que está por vir...

13. O quê? Você tinha medo do anti-cristo... Então espera para ver o reino evangélico...

14. Porque, por favor, preste atenção: você pode ir ao Santo Daime, tomar o "soma" do cipó enteógeno, ficar muito doido, viajar até Andrômeda, vomitar horrores, ver as mirações que desejar ver, tudo bem, que, depois do rito, você volta para casa e a vida continua na normalidade. O rito fica lá, no lugar do rito...

15. A desgraça - DESGRAÇA - dessa coisa evangélica - e cada vez mais demente - é que a loucura não fica lá no lugar da loucura: ela quer invadir a sociedade, o Legislativo, o Judiciário, o Executivo, a minha casa, a sua, a minha mente, a sua - não é penas droga, é doença.

16. Não, não haverá cura. Sou pessimista.

17. Oxalá um péssimo filhote de Nostradamus...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

terça-feira, 24 de julho de 2012

METÁFORAS DESCONCERTANTES DO DIVINO


Metáforas desconcertantes do divinoRicardo Gondim

Nietzsche disse que só acreditaria no Deus que soubesse dançar. As implicações filosóficas e existenciais dessa afirmação são enormes. Entre algumas: contingência, liberdade humana, o uso da sabedoria no improviso, desmonte da existência engrenada. Dizer que Deus dança significa que a vida pulsa com liberdade. Começo, meio e fim não jazem nos grilhões da necessidade.

Em desagravo à espiritualidade nietzscheniana, atrevo-me dizer que o Deus que dança não é estranho ao relato bíblico.
Sofonias (3.17) descreve Deus se regozijando com júbilo, cheio de brados de alegria. Deus se deleita tal qual o pai que se surpreende com a pergunta criativa do seu guri, igual ao professor que aceita ser ultrapassado pelo aluno, parecido com a mãe que se encanta com a bailarina que nasceu de suas entranhas. A alegria divina ou humana vem da percepção gostosa de um momento que, mesmo esperado, podia nunca acontecer. Isso desengrena o futuro e cria o insólito. Só o imprevisto tem força de gerar alegria ou decepção.
Os profetas não economizavam predicados portentosos para o Divino: Senhor dos Exércitos, Todo Poderoso, Rei, Santo Juiz. Mas, diferentemente das divindades gregas que, posteriormente, seriam descritas a partir dos absolutos da metafísica, os judeus se valeram de histórias, contos e parábolas para descrever Elohim Javé. Sem a aura de sacralidade das antigas divindades, eles não tiveram medo de dizer que Deus assobia – Isaías 5.26, 7.18. “Assobiarei para eles e os ajuntarei, pois eu já os resgatei…” (Zacarias 10.8). Nietzsche, estou certo, não teria muito problema em crer num Deus que assobia.
Um dos mais celebrados atributos dos deuses foi a constância. Contudo, Javé não se sente constrangido a comportamentos padrões. Os escritores o descrevem como um Criador arrependido, depois que constata o aumento da perversidade entre os filhos dos homens: “Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração” (Gênesis 6.8). Javé também se arrependeu de extrapolar sua severidade  ao anunciar a destruição de uma cidade: “Tendo em vista o que eles fizeram e como abandonaram seus maus caminhos, Deus se arrependeu e não os destruiu como tinha ameaçado” (Jonas 3.10).
Com o fluir da história, certos mandamentos caducam, perdem a razão de ser, e merecem ser descartados. No período pós-exílio babilônico, foi necessário acabar com a lógica sacrificial de imolar animais inocentes. Os holocaustos se mostraram inúteis na transformação de pessoas. Jeremias teve peito de desdizer o que se considerava mandamento. Para ele, Javé  nunca havia ordenado derramamento de sangue  (quando, de fato, o Senhor exigira que se imolassem animais).
“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: ‘Juntem os seus holocaustos aos outros sacrifícios e comam a carne vocês mesmos! Quando tirei do Egito os seus antepassados, nada lhes falei nem lhes ordenei quanto a holocaustos e sacrifícios. Dei-lhes, entretanto, esta ordem: Obedeçam-me, e eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo. Vocês andarão em todo o caminho que eu lhes ordenar, para que tudo lhes vá bem’” (Jeremias 7.21)
Numa expressão chula, no Brasil chamam o homem traído de corno. Embora o termo esteja completamente desconectado do hebraico, o profeta não teve vergonha de comparar a sua sorte à do Senhor. E de usar a própria história para fazer paralelo entre deslealdade conjugal e espiritual. Para escancarar a dor da infidelidade, Oseias, corneado por sua mulher, Gômer, disse que Israel fazia o mesmo com Deus. “Vá, trate novamente com amor sua mulher, apesar de ela ser amada por outro e ser adúltera. Ame-a como o Senhor ama os Israelitas, apesar de eles se voltarem para outros deuses e de amarem os bolos sagrados de uvas passas” (Oseias 3.1).
O mosaico de metáforas atribuídas ao Divino é minimizado na teologia pelo termo técnico de antropomorfismo. Mas, os exegetas que procuram construir uma imagem de Deus sem essas inúmeras metáforas, acabam com um Deus apático, distante, indiferente, inacessível. Ao anularem as múltiplas descrições bíblicas, ficam com o Motor Imóvel aristotélico.
Jesus de Nazaré ousou desmontar todos os devaneios que  antigos nutriam sobre Deus. O Evangelho de João diz que “ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido” (Jo 1.18). Quando Felipe pediu para ver o Pai, Jesus não hesitou: “Quem me vê, vê o Pai”. Portanto, a metáfora mais verdadeira de Deus encarnou e foi reconhecida em Jesus, o Cristo.
Em Jesus,  Deus bate à porta e espera ser recebido para um jantar. Em Jesus, Deus relativiza as exigências cerimoniais de dias e espaços sagrados para preservar vidas. Em Jesus, Deus ama sem se impor – ainda ressoam de seus lábios a escandalosa condicional: “Se alguém quiser me seguir…”.
Creio que Nietzsche era ateu da Causa Primária, do Relojoeiro, do Supremo Arquiteto, do Superintendente da Meticulosa Providência. Ele desprezou meras caricaturas distorcidas do Pai que mandou preparar churrasco para um grande baile. Não consigo imaginar Deus sentado, observando a festança do dia da volta do Filho Pródigo. Naquele dia, Ele dançou.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Bonhoeffer, Dietrich


Nasceu em 04 de fevereiro de 1906 e morreu novo, em 1945 num campo de concentração, isso porque se opunha a Hitler ativamente - até o chamou de anticristo. Era filho do Dr. Karl Ludwig Bonhoeffer, que no total tinha oito filhos. Dietrich tinha uma irmã gêmea, Sabine. Era de uma família de tradições, tendo em seus antepassados historiadores, teólogos, juristas e pintores.

Primeiramente, de 1919-1923 estudou no ginásio de Grunewalde. Estudou na Universidade de Tübingen, também em Berlim, onde foi aluno de Harnack. Foi professor em Berlim, mas teve uma passagem pelo Union Theological Seminary, em Nova York, para estágio. Em 1929 teve seu primeiro exame teológico, aceitando o vicariato de Barcelona por um ano.

Enquanto vivia era desconhecido, mas após sua morte ficou conhecido por suas idéias sobre discipulado, no qual escreveu um livro chamado ”O Custo do Discipulado” em que expõe princípios morais para os cristãos, defendendo que o discipulado está ligado a libertação do que oprime a consciência. Entendemos que esse livro está ligado a questão nazista, visto que as idéias nazistas alienavam as mentes dos cristãos. Levava uma vida dedicada e piedosa, e claro com disciplina, combatendo a vivência sobre o âmbito do sagrado e do profano ao mesmo tempo, ou seja, ele combateu o cristianismo ligado ao nazismo, pois para ele esse sistema não era apenas profano, mas o próprio anticristo.

A vida cristã de Bonhoeffer era vivida com piedade e práxis, por isso se opôs a Hitler. Quando Adolf Hitler ascende na Alemanha, a igreja evangélica oficial aderiu ao projeto do nacional-socialismo, chegando ao absurdo de aceitar somente ordenação de pastores arianos. Nesse momento da história, esse grande teólogo começa a se opor ao nazismo como sendo uma missão. Passou então a ser um líder da Igreja Confessante, e por perseguição começa a exercer um ministério clandestino, inclusive como diretor de um seminário clandestino em Finkenvalde. É incrível como a religião se deixa cegar com tanta facilidade em nome do poder. Em toda história vemos a religião cristã se vendendo por tão pouco, isso em nível de existência.

Bonhoeffer foi um líder da resistência contra Hitler, viajando para muitos países divulgando a resistência. Estava envolvido num plano para assassinar Hitler. Mas o teólogo foi preso em Berlim no dia 5 de abril de 1943. Em 9 de abril de 1945, com apenas 39 anos, foi enforcado. Ele tinha muitos planos, como visitar Gandhi, na Índia. Apesar de não ter realizado muitos de seus planos, foi um grande líder do movimento ecumênico, viajando para países como Dinamarca e Suécia.

Esse teólogo via Deus como uma realidade única e que opera em nós através de nossas próprias ações em prol do mundo, da sociedade . Enfatizava o evento histórico de Jesus Cristo, ou seja, ele via Deus atuando na história, indo contra idéias filosóficas e ateístas da época. Praticar o cristianismo é ser humano num mundo justo e livre. Devido essa idéia, Bonhoeffer pregava um cristianismo sem religião institucional.

No campo de concentração começou a escrever uma obra intitulada Ética, mas parece não ter terminado. Nessa obra o pastor teólogo mostra que para ser um cidadão ético basta seguirmos as palavras do homem Jesus, que diretamente é a paradoxal as ações nazistas. Apesar de ter vivido pouquíssimo tempo, Bonhoeffer escreveu algumas obras, que foram: The Communion of Saints; Act and Being; The Cost of Discipleship; Ethics; Resistance and Submission.

Mesmo que muitos não concordem com algumas de suas idéias, não podemos tirar o louvor que lhe pertence, pois renunciou sua vida em prol da causa humana. A libertação do homem era seu alvo. Para isso não ficou apenas pensando em suas idéias, mas procurou agir rápido contra aquele que era uma ameaça a existência, a saber: Adolf Hitler. Outros nomes também se voltaram contra o nazismo como: Karl Barth (expulso da Alemanha), Paul Tillich (exilado da Alemanha), o marechal de campo Rommel (que foi ordenado por Hitler a se suicidar), Stauffenberg (martirizado em 1944). Bonhoeffer tentou assassinar Hitler, por isso até hoje seu nome é lembrado na Alemanha, pois ele erxergou o que muitos da nação enxergavam. Pena que o teólogo não pôde ver o nazismo ruir como um muro podre.

Ser militante não é apenas vestir uma camiseta vermelha, mas é ter coragem de homens como Bonhoeffer, Stauffenberg, Rommel...
 
ALAOR, COUTINHO (SEMINARISTA)

Pensamento Filosófico-Científico

O mundo durante muitos séculos vivera numa cosmovisão mítica, isso significa que o homem ainda não tinha um pensamento lógico nem científico, ou seja, o homem buscava explicações para tudo no sobrenatural e metafísico.

Mas houve na história pensadores que indagavam essa cosmovisão, como, por exemplo, o pré-socrático Parmênides que via o mundo através da razão somente, sendo os outros métodos como o mítico, livres para erros da alienação.

O cristianismo primitivo em sua práxis era mítico e com o surgimento da instituição criou-se os dogmas que eram as opiniões doutrinárias resultante dos concílios. A Igreja passou a enraizar seu poderio político. Dela saía a cosmovisão para o mundo e quem tem conhecimento tem poder, sendo assim ela também dominava culturalmente.

Durante muito tempo a cosmovisão ainda não tinha a luz da ciência e a filosofia era a mente do mundo. Porém nos sécs. XIV, XV e XVI o homem já aparentava uma visão diferente do mundo, isso com ajuda das artes, das letras, dos movimentos culturais do Humanismo e do Renascimento. O Humanismo apresenta um homem mais racional que sabe olhar para o passado analisando seus passos. Este fora muito importante porque quebrou um pouco a visão teocrática da Igreja e apresenta o mundo em nível horizontal. Pensadores como Pico de la Mirandola, Erasmo e Thomas More começam a reinterpretar o homem.

A própria Reforma protestante é uma mostra de que o mundo não estava tão satisfeito com o domínio da Igreja Católica. Por outro lado à Igreja Católica reagiu com a ação da inquisição, dos movimentos místicos e outros. O concílio de Trento (1545-1563) tentou fazer reformas na ultrapassada igreja

No séc. XVII aparece o movimento cultural-filosófico chamado de Iluminismo. Fora um grande esforço consciente de valorização da razão e abandono dos paradigmas tradicionais. Mas foi no séc. XVIII que o racionalismo teve um grande advento, refletindo mudanças em todos pensamentos, inclusive filosófico e teológico.

Muitas coisas tinham mudado na cosmovisão do homem:

· Nicolau Copérnico e João Kepler estabelecem a teoria heliocêntrica.

· Galileu Galilei via a natureza como um sistema matemático.

· É rejeitado as maneiras tradicionais de chegar a verdade.

· René Descartes (1596-1650) queria um conhecimento incontroverso, com total confiança na matemática. Para ele o conhecimento verdadeiro era aquele que não poderia ser posto em dúvida. Seu axioma mais famoso é “penso logo existo”.

· Rouseau (1712-1778) era contra qualquer forma de religião organizada. Defendia o governo pelo povo, não por Deus.

· Voltaire (1694-1778) hostil contra a Igreja, sugeriu uma teologia feita a partir da natureza.

· Lessing (1729-1781) promoveu a busca do Jesus histórico.

Do Racionalismo veio o Deísmo, numa tentativa de propor uma explicação natural e científica para o kosmos. Cresce a confiança na razão, no método científico, no deísmo e nas novas propostas sociais.

· John Locke (1632-17040) diz que o conhecimento deve passar por experiência, pois só assim será verdadeiro.

· David Hume (1711-1704) estudando como se adquire conhecimento chegou a conclusão que não há um conhecimento absoluto e final (hoje isso é proposto no “pós-modernismo”). Seu sistema é conhecido como cepticismo.

O final do séc. XVIII e início do séc. XIX é marcado por grandes pensadores como:

· George Hegel, criador da teoria da dialética, pensamento esse totalmente influenciado por movimentos humanistas anteriores.

· Ludwig Feuerback, negou todo sobrenaturalismo e atribuiu toda discussão acerca de Deus à discussão da natureza. Este foi o criador da teoria do materialismo. Divulgou a idéia de que Deus surgiu como conseqüência do desejo humano em explicar sua existência.

· Augusto Comte, filósofo francês que cria que Deus é uma superstição irrelevante. Este fora à voz do positivismo e dividira a história em três fases: a teológica, a metafísica ou abstrata e a científica ou positiva.

· Friedrich Nietzsche, considerado o pai da escola da morte de Deus. Ele lançou os alicerces para os niilistas que diziam que já que Deus não existe, o homem deve idealizar seu próprio modo de vida.

· Karl Marx, pai do materialismo histórico. Analisou a história a partir dos conflitos em torno da produção econômica, sendo a economia o motor da história. A sociedade caminha em conflitos dialéticos observado nas lutas de classes. Descreveu o capitalismo como sistema político-econômico exploratório e elaborou a doutrina sociológica conhecida como socialismo/comunismo.

· Jean-Paul Sartre, principal proeminente do existencialismo, dizia que o homem é o criador do seu próprio destino e negava a existência de Deus completamente (século XX).

· Houve outros pensadores como Freud, Engels, etc.

Apesar das contribuições desses pensadores, a ciência mudou mesmo depois de Darwin, com seu evolucionismo proposto na obra “A Origem das espécies”. Bem basicamente podemos dizer que, Darwin pregava que: 1) As espécies dos seres vivos são mutáveis e intercambiáveis, havendo modificações nas espécies.2) As variações inerentes e adquiridas pelas espécies são transmitidas geneticamente.3) As variações acontecem através de uma seleção natural.

A teoria darwinista balançou os mundos religioso e científico e impulsionou a cosmovisão contemporânea. Mesmo que muitas palavras de Darwin tenham sido contrapostas, historicamente suas idéias trouxeram um novo rumo a humanidade, principalmente no meio acadêmico que se tornou muito mais científico.
 
POR: COUTINHO, ALAOR GOMES (SEMINARISTA)

Teologia da Libertação

Quando se fala em teologia, logo as pessoas imaginam religião, Igreja, fé e outros. Isso porque pensam que teologia é o estudo da religião, de Deus. Antes de falarmos um pouco sobre a Teologia da Libertação, devemos entender que à teologia está extremamente ligada a antropologia, a cosmologia, logicamente a filosofia e também a psicologia e outras gnoses. Enquanto a filosofia estuda a estrutura do ser, a teologia procura entender o significado deste, ou seja, a existência. Quando se estuda a existência, automaticamente a teologia é obrigada a estudar as crenças, as religiões, as idéias, o “sobrenatural” e outros porque a existência está e sempre esteve ligada a essas idéias mitológicas. Dessa maneira não existe uma teologia, mas várias teologias que convergem para várias epistemologias.

O homem é um ser integral, holístico. Isso significa que sua existência é construída a partir de fatores social, político, psicológico, econômico e outros. Não é possível dissecar essa formação ontológica. Notamos que a religião cristã logicamente sempre esteve ligada a esses fatores, reflexo de sua humanidade. Porém notamos um tremendo abuso desses fatores existenciais a fim de dominar as massas. Nos restringindo ao fator político-econômico, sabemos que a Igreja já dominou o mundo, com seus cofres cheios e o Estado em suas mãos. Porém o mundo cansou se ser alienado pela Igreja e até mesmo os religiosos se levantaram contra essa alienação. A Teologia da Libertação é essa reação dentro da Igreja latino-americana, lutando em prol do povo, do pobre, do necessitado.

A Teologia da Libertação tem suas raízes no marxismo. Na Alemanha, Jürgen Moltmann propôs uma teologia chamada de Teologia da Esperança. Essa propunha que toda religião é recheada de utopia e que a religião cristã deveria apresentar esperanças ao povo, promovendo revolução e não servir ópio e alienação.

Porém antes de Moltmann, que publicou sua idéia em 1965, o teólogo Paul Tillich já dizia algo como socialismo religioso. A teologia de Tillich era elaborada a partir da leitura histórica e da análise existencialista. Nisso se identificava de certo modo com Karl Marx. Esse método de teologizar o levou a propor uma identificação da teologia com o povo, que em sua época sentia os horrores da guerra mundial.

O brasileiro Rubem Alves apresentou em Princeton em 1969, originalmente como tese, A Theology of Human Hope (Uma Teologia da Esperança Humana). Nessa obra o teólogo volta-se para a necessidade do terceiro mundo, em especial a situação da América Latina. Porém, infelizmente Rubem Alves não conseguiu com êxito aplicar sua teologia na igreja protestante brasileira, pois sabemos como o protestantismo (nesse caso o presbiterianismo) é ligado ao capitalismo, ligação extremamente forte, pois tem seu alicerce na doutrina calvinista, em especial a doutrina da predestinação (Max Weber).

Contudo, na Igreja Católica Apostólica Romana na América Latina começou a ter uma mudança. O CELAM se reuniu na Colômbia, onde os bispos mostraram uma preocupação com os pobres e com as desigualdades.

O nome de Teologia da Libertação apareceu em 1971, através do peruano Gustavo Gutierrez, que publicou uma obra com esse título, propondo a libertação social dos povos latino-americanos. Outros nomes surgiram como: Enrique Dussel, José Miguez Bonino, o brasileiro Leonardo Boff que escreveu Jesus Cristo Libertador e outros.

A Teologia da Libertação não se preocupa com os dogmas, mas com a ação dos cristãos em prol das mudanças sociais. Jesus Cristo é apresentado como um grande exemplo de homem que lutou pela justiça, pelo amor e principalmente pelos pobres. É uma teologia criada a partir da situação de miséria da América Latina. Ser cristão é ser agente de mudança política, estar ligado à necessidade do próximo, dos doentes e outras causas.

Muitos teólogos da Teologia da Libertação trabalham hoje em torno do ecumenismo. Leonardo Boff, por exemplo, tem escrito livros voltados a mística e ao ecumenismo. Muitos interpretam a mística como colaboradora para o espírito militante. A Igreja Católica Romana no Brasil tem feito louváveis trabalhos sociais, como as pastorais voltadas à criança, ao jovem, ao idoso, ao indígena e outros grupos que vivem com necessidades. Segundo a T.L. a salvação do povo está na libertação da opressão.
ABRAÇO A TODOS!
COUTINHO, ALAOR (SEMINARISTA)

 

Niilismo em Nietzsche

O termo Niilismo surge na literatura russa, na obra “Pais e Filhos” de Ivan Turgueniev sendo posteriormente utilizado por Dostoivski, e é utilizado para definir o homem como um negador de valores, porém na filosofia, Friedrich Wilhelm Nietzsche o leva além dessa interpretação o tornando talvez uma das correntes de pensamento mais intrigantes do mundo contemporâneo.

Para Nietzsche, o niilismo não surge de uma falta de indigência moral ou psíquica, pois se assim fosse acabaria por ser contraditório, já que sua essência está na própria moral cristã. O homem chega ao niilismo quando se encontra perante uma falsidade contida nos ensinamentos cristãos, pois essa descoberta inicia um processo onde o homem passa a refletir sobre todos os valores da sociedade. Junto com a ruína do cristianismo surge na mente uma desconfiança total de tudo que o cerca, tudo perde o sentido, o homem percebe que vive para o nada e acaba por perder toda as ambições e vontades.

Porém o niilismo em estado psicológico só poderá ocorrer passando por três etapas, sendo que a primeira se dá quando procuramos um sentido em todo o acontecer que não está contido nele, e nessa busca acabamos por perder o ânimo, ou seja, se chega ao niilismo quando tomamos consciência do desperdício de força, da tormenta do “em vão”. A segunda maneira se dá quando o homem se coloca sob uma totalidade, alcança uma espécie de monismo onde ele consegue se libertar se tornando líder de si mesmo, eliminando a necessidade de venerar e divinizar algo. E finalmente após passar por essas duas etapas resta como escapatória ao homem condenar o mundo do vir-a-ser como ilusão, e inventar um mundo que esteja para além dele. Porém, tão logo esse mundo seja criado, o homem percebe que o fez por mera necessidade psicológica e que não tem nenhum direito a ele, e a partir daí o homem se encontra na terceira etapa do niilismo, que leva o homem a total descrença em um mundo metafísico, levando-o a aceitar a realidade do vir-a-ser como única realidade e impedindo a si a crença em qualquer via dissimulada que o leve a ultramundos e falsas divindades, o homem então passa a não mais suportar esse mundo, já que descobre que não se pode negá-lo.



“Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e o homem é, finalmente, compelido a enfrentar de modo sensato suas condição reais de vida e suas relações com seus semelhantes.”



Ao chegar no pleno estado niilista o homem passa a não mais poder se persuadir sobre um verdadeiro mundo, já que não lhe resta mais fundamento para isso. As categorias “fim”, “unidade” e “ser”, as quais ele utilizava para impor ao mundo um valor, lhe foram tiradas, tornando o mundo sem valor. A autoridade sobre-humana (divindade) não é mais necessária, mas isso não quer dizer que não há necessidade de uma autoridade. Então, o velho hábito da autoridade traz a consciência em primeira linha, uma autoridade pessoal (sendo dessa maneira quanto mais desprendia da teologia mais imperativa se torna a moral), porém, a vontade de fugir da responsabilidade faz com que o homem caia muitas vezes no fatalismo. Essa total decepção causada pelo desprendimento das falsidades teológicas pode, assim como no budismo, levar a um desprendimento material e proporcionar um desenvolvimento individual que talvez alcance o ponto de livrar o homem da perca total do ânimo que o leva ao fatalismo.

Achado escrito inédito de Karl Marx

O artigo “Mercado sem desenvolvimento: a causa da crise” é um dos achados do projeto MEGA – Marx-Engels GesamtAusgabe. A partir dos arquivos de Karl Marx, o MEGA está organizando a imensa obra ainda inédita do filósofo alemão: 114 volumes, o último dos quais será publicado em 2020. O texto em questão, jamais lido no Capital, parece ter sido escrito hoje. Deve-se sua revelação ao jornal "La Repubblica", que publicou o inédito artigo de Marx no domingo (08/01). A tradução é de Moisés Sbardelotto para o "IHU Online"

Mercado sem desenvolvimento: a causa da crise
Por Karl Marx

A enorme quantidade e variedade de mercadorias disponíveis no mercado não dependem apenas da quantidade e da variedade de produtos — mas são, em parte, determinadas pela entidade da parte de produtos produzidos como mercadorias, que deverão, portanto, ser inseridos no mercado para a venda na qualidade de mercadorias.

A grandeza dessa parte das mercadorias vai depender, por sua vez, do grau de desenvolvimento do modo de produção capitalista — que produz os seus próprios produtos apenas como mercadorias — e do grau em que tal modo de produção domina em todas as esferas da produção.


Deriva daí um grande desequilíbrio no intercâmbio entre países capitalistas desenvolvidos, como a Inglaterra, por exemplo, e países como a Índia ou a China. Esse desequilíbrio é uma das causas da crise.

Causa totalmente negligenciada pelos burros que se contentam em estudar a fase do intercâmbio de um produto por outro produto e que esquecem que o produto não é, portanto, em caso algum, mercadoria intercambiável enquanto tal. Isso constitui também a pedra no sapato que leva os ingleses, dentre outros, a querer subverter o modo de produção tradicional existente na China, na Índia, etc., para transformá-lo em uma produção de mercadorias e, em particular, em uma produção baseada na divisão internacional do trabalho (ou seja, na forma de produção capitalista).

Eles conseguem, em parte, esse intento, por exemplo, quando prejudicam os fiadores de lã ou de algodão vendendo seus produtos a um preço inferior ou arruinar o seu modo de produção tradicional, que não é capaz de competir com o modo de produção capitalista ou com o modo capitalista de inserir as mercadorias no mercado.

Embora o capital produtivo, por sua própria natureza, esteja disponível no mercado, isto é, oferecido à venda, o capitalista pode (por um período de tempo longo ou curto, de acordo com a natureza das mercadorias) mantê-lo longe do mercado se as condições não lhe forem favoráveis ou com o fim de especular, ou outro. O capitalista pode subtrair o capital produtivo do mercado das mercadorias, mas, em um momento posterior, será obrigado a reinseri-lo. Isso não tem efeitos sobre a definição do conceito, mas é importante para a observação da concorrência.

A esfera da circulação das mercadorias, o mercado, é, enquanto tal, diferente também fisicamente da esfera da produção, exatamente como são diferentes temporalmente o processo de circulação e o efetivo processo de produção. As mercadorias agora prontas ficam depositadas nos armazéns e nos depósitos dos capitalistas que as produziram (exceto no caso de serem vendidas diretamente), quase sempre só de modo passageiro, antes de serem expedidas para outros mercados.

Para as mercadorias, trata-se de uma estação de preparação a partir da qual serão inseridas na efetiva esfera de circulação, exatamente como os fatores da produção disponíveis permanecem à espera, em uma fase preparatória, antes de serem transportados para o efetivo processo de produção.

A distância física entre os mercados (considerados do ponto de vista da sua localização) e o lugar do processo de produção das mercadorias dentro de um mesmo país, e sucessivamente fora dele, constitui um elemento importante, porque é justamente a produção capitalista que faz com que, para uma boa parte dos seus produtos, o mercado seja constituído pelo mercado mundial. (As mercadorias também podem ser adquiridas para serem retiradas imediatamente do mercado, mas esse elemento deveria ser examinado em outros lugares, assim como a menção anterior às mercadorias que os produtores mantêm longe do mercado).

Consequentemente, é preciso que o mercado se expanda continuamente. Além disso, em todas as esferas individuais da produção, todo capitalista produz de acordo com o capital que lhe é oferecido, independentemente do que fizerem os outros capitalistas. No entanto, não será o seu produto, mas sim o produto total do capital investido nessa particular esfera de produção que irá constituir o capital produtivo, que oferece à venda esta e qualquer outra esfera individual de produção.

É um dado empírico que, embora a dilatação da produção capitalista leve a um incremento, a uma multiplicação do número de esferas de produção, ou seja, de esferas de investimento do capital, nos países de produção capitalista avançada, essa variação jamais mantêm o mesmo ritmo que o acúmulo do próprio capital.


Discussão sobre a Educação

Por incrível que pareça após a redemocratização, a Educação no Brasil passou por um processo de sucateamento. Isso aconteceu por vários fatores, mas principalmente porque a política educacional acompanhou a implantação do neoliberalismo no país. Houve uma privatização da política estatal, minimizando o Estado e sua responsabilidade para com a Educação e instrumentalizando o Estado para com o capital e as corporações capitalistas.
Houve no Brasil, e isso é claro, uma desregulamentação das políticas públicas, inclusive a educacional. Em consequência, o foco da educação, que já não era formar cidadãos críticos e conscientes das nossas realidades social, política e econômica, se distanciou ainda mais daquilo que os profissionais da educação entendem como “educação de qualidade”.
Não podemos esquecer da descapitalização que a educação sofreu durante muitos anos. Falta dinheiro para o ensino de qualidade. As Secretarias Institucionais de Educação não têm condições para aplicar educação integral e os salários dos professores chegam a condições vergonhosas. Hoje o Brasil aplica menos de 5% do PIB nacional em Educação e o novo PNE define a meta de 7%. Contudo, 10% do PIB para a Educação é o mínimo para um país que deseja se desenvolver econômica e socialmente.
Órgãos internacionais como a ONU utilizam estatísticas para medir o avanço e incentivar a educação nos países emergentes e subdesenvolvidos. Mas no Brasil a Educação se tornou refém das estatísticas, pois os números são manipulados na base para indicar alto nível de aprovação, enquanto a qualidade do aprendizado está debilitada. As provas externas dos governos federal e estadual têm demonstrado que falta conteúdo a nossos alunos, que mal conseguem interpretar um texto.
Não obstante, a temática “qualidade de educação” tem sido discutida em todo país por sindicatos, movimentos sociais, no congresso nacional e também no Ministério da Educação. Contudo, essa discussão deve partir da base, isto é, de quem está na sala de aula, por quem está com o giz na mão, do professor.
Diante disso, em Poços de Caldas, o Sinpro Minas (Sindicato dos Professores de Minas Gerais) em parceria com SindUTE (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais), o SAAEMG (Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais), o Sindserv (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Poços de Caldas) e o Educafro farão um bate papo sobre o novo PNE (Plano Nacional da Educação). O objetivo é chamar os profissionais da educação para discutir a educação em nosso país.
Defendemos uma educação de qualidade que corrobore para construção de uma civilização brasileira crítica e democrática e para isso todos devem se envolver no processo de luta.

Prof. Yuri Almeida – professor das redes pública e particular de Poços de Caldas

Bate papo sobre o Plano Nacional da Educação - Dia 03/12
As 08h na Câmara Municipal de Poços de Caldas
Entrada Gratuita