sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Jesus: pivô de discórdias; aquele que traz à luz o íntimo de cada coração (prédica)


Handall Fabrício Martins 


Mateus 10.34-39:

“— Não pensem que eu vim trazer paz ao mundo. Não vim trazer a paz, mas a espada. Eu vim para pôr os filhos contra os pais, as filhas contra as mães e as noras contra as sogras. E assim os piores inimigos de uma pessoa serão os seus próprios parentes. — Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais do que ama a mim não merece ser meu seguidor. Quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que ama a mim não merece ser meu seguidor. Não serve para ser meu seguidor quem não estiver pronto para morrer como eu vou morrer e me acompanhar. Quem procura os seus próprios interesses nunca terá a vida verdadeira; mas quem esquece a si mesmo, porque é meu seguidor, terá a vida verdadeira (NTLH).”
Nesse texto, Jesus diz, de forma bastante contundente, que não veio trazer paz à terra, mas a espada, a contenda, a contradição, a dissensão (distintamente do que ele diz em João 14.27, por exemplo). Para tanto, ele retoma Miqueias 7.5-7, que diz: “Não acreditem nos vizinhos, nem confiem nos amigos. Cada um tome cuidado até com o que diz à sua mulher. Pois hoje em dia os filhos desprezam os pais, as filhas desobedecem às mães, e as noras brigam com as sogras; e os piores inimigos de qualquer pessoa são os próprios parentes. Eu, porém, ponho a minha esperança em Deus, o SENHOR, e confio firmemente que ele me salvará. O meu Deus me atenderá.”
Ora, Jesus mesmo não foi reconhecido pelos da sua terra natal, Nazaré, nem pelos da sua própria família. Ao contrário, ele foi motivo de divisão. Marcos 6.1-4 nos fala: “Tendo Jesus partido dali, foi para a sua terra, e os seus discípulos o acompanharam. Chegando o sábado, passou a ensinar na sinagoga; e muitos, ouvindo-o, se maravilhavam, dizendo: Donde vêm a este estas coisas? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E como se fazem tais maravilhas por suas mãos? Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs? E escandalizavam-se nele (JESUS ERA UM LEIGO, E NÃO UM INTÉRPRETE RELIGIOSO AUTORIZADO). Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa.” Já em Lucas 4.24, ele afirma: “(...) De fato, vos afirmo que nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra.”
Quando de sua prisão, inclusive, Jesus foi tratado como um salteador, um criminoso, um bandido, levado por homens armados de espadas e porretes. Aliás, Pedro, nessa ocasião, também sacou de uma espada e feriu o servo do sumo sacerdote que estava ali com os homens que prenderam Jesus. Vemos, assim, que, tanto da parte dos discípulos, naquele momento, quanto do lado dos inimigos do Mestre, havia homens armados de espadas, cujo uso revelou o que estava em seus corações. É justamente o que Jesus havia dito poucos versículos acima, em Mateus 10.26: que todo segredo seria conhecido. No caso, também o da traição de Judas, que era do círculo mais chegado do Senhor e o havia trocado por trinta moedas de prata.
Em Atos 12.2, Herodes manda matar Tiago, irmão de João, ao fio da espada. Porém Paulo, em Romanos 8.31-39, rompe efusivamente e, quase em êxtase, movido pelo Espírito Santo, e respondendo à pergunta retórica que ele mesmo faz, diz, no verso 35, que nada, nem mesmo a espada, a morte, pode nos separar do amor de Deus. Louvado seja Deus por isso! Não obstante, o mesmo Paulo, em Efésios 6.17, refere-se à Bíblia, palavra de Deus, como sendo ela mesma a espada do Espírito. Semelhantemente, o escritor da epístola aos Hebreus, no capítulo quarto, verso 12, nos diz que “(...) a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.” Ou seja, Jesus trouxe a discórdia – a espada –, de que ele nos fala no texto do Evangelho de hoje (e que pode culminar até na morte, no caso de quem optar por segui-lo até o fim), mas essa discórdia/espada é consequência direta de se aderir ou não ao Evangelho/palavra de Deus/espada.
“JESUS, SUAS PALAVRAS E EXEMPLOS, SÃO MOTIVO DE DISCÓRDIAS, A FIM DE QUE AS VERDADEIRAS INTENÇÕES DO CORAÇÃO, AQUELAS MAIS PROFUNDAS E SECRETAS, SEJAM MANIFESTAS (cf. Lc 2.34-35).”
No verso 37, é preciso antes ter em mente o contexto em que Mateus registrou o seu evangelho. O momento era de profunda rivalidade, intolerância religiosa e perseguição. Os judeus que não creram em Jesus como o Messias esperado marginalizavam, rechaçavam e denunciavam às autoridades religiosas aqueles que entendiam que em Cristo se cumpriam as promessas da Primeira Aliança. Esse quadro terrível acontecia no íntimo das famílias, conforme nos relata o verso 37. E essas situações religiosamente conflitivas não ficavam restritas ao âmbito privado das casas, mas eram levadas ao conhecimento público, dividindo as famílias, tal como Jesus menciona em seu discurso iniciado no versículo 16 do mesmo capítulo décimo de Mateus. E famílias sendo divididas, naqueles dias, eram um prenúncio do final dos tempos, daí a seriedade com que Jesus e Mateus tratam a situação.
Ou seja, o Mestre estava querendo dizer que não importava se algum membro da família de uma pessoa não acreditava que ele, Jesus, era o Cristo. Importava, sim, que cada um tomasse a decisão existencial radical de segui-lo incondicionalmente, com todas as consequências advindas dessa decisão, mesmo que fosse a própria morte (v.38). Senão, vejamos o que Mateus nos diz um pouco acima, em 10.17, 21, 22: “E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas; (...) Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai, ao filho; filhos haverá que se levantarão contra os progenitores e os matarão. Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo.” Jesus está encorajando os seus discípulos com todas essas palavras.
Não tem nada a ver, portanto, com a interpretação que muitos têm dado a esse texto já há algum tempo, segundo a qual nós não só temos o direito, mas o dever de abandonar nossos familiares, caso isso seja feito em nome do Evangelho. Ora, segundo o próprio texto sob reflexão, o Evangelho pode trazer e traz, sim, conflitos familiares entre os que decidem existencialmente seguir a Jesus e aqueles que o rejeitam. Mas isso não nos autoriza a deixar nossos familiares de lado. Muito ao contrário, nosso amor e paciência para com eles devem ser redobrados. Não obstante, tais conflitos não devem embaraçar nossa carreira cristã. Lembrando do que diz Paulo a Timóteo: “Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado ae é pior do que o descrente” (1Tm 5.8).
Finalizando (verso 39), Jesus nos adverte que quem está preocupado apenas com seus próprios interesses nunca alcançará a vida verdadeira. Mas quem chega ao ponto de esquecer-se de si mesmo, pelo simples fato de ser discípulo de Jesus, esse alcançará a verdadeira vida. Noutros termos, isso quer dizer buscar o reino de Deus em primeiro lugar, pois Deus cuida de nós. Significa pensar comunitariamente, não egoisticamente. É lembrar que somos membros uns dos outros e que juntos formamos um corpo, o corpo de Cristo, sua Igreja. É como também Paulo, de novo, nos adverte:Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fp 2.4). E isso não vale apenas para nossa vida enquanto comunidade eclesial. Vale também para nós enquanto membros de uma família e de uma sociedade que carece de cidadãos conscientes, responsáveis e politicamente engajados.
Que Deus nos ajude a vencer o egoísmo e o medo que muitas vezes temos de assumir o Evangelho com todas as suas implicações. Amém!

LULA EM PARÍS: IMPRENSA DÁ VEXAME


Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?


Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de "O Globo" em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira [27/09].


Resposta de Descoings:


"O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (...) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade".


A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de "O Globo" às 22h56 do dia 27/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.


Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.


Sob o título "Escravocratas contra Lula", Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science- Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.


"Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (...). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado (...)."


"'Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção', foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: 'Veja, Sciences- Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais (...). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países.'"


"Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences- Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. 'As elites não são apenas escolares ou sociais', disse. 'Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas.'"


No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:


"Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences- Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados".


Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff, há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.


Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do país, a "Folha de S. Paulo", que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.


Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:


"AFAGOS - FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado".


Assim como decisões da Justiça, criterios editoriais não se discutem, claro.


Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de "O Globo" pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:


"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris - o Sciences- Po -, na França, para receber mais um título de doutor honoris causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, 'para não dizer que eu não falei das flores'."


"A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade".


Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:


"Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive".
Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

ESSA É A INTOLERÂNCIA DE BUSH OU MELHOR DA FORÇA AMERICANA, EM QUERER DOMINAR TUDO AO SEU REDOR E OUTROS PAÍSES VIZINHOS. COMO SEMPRE OS ESTADOS UNIDOS DEMOSTROU SEMPRE MELHOR QUE OS OUTROS, SERIA DESUMANO DE MINHA PARTE, SE EU FALASSE QUE O ATENTADO DE 11 DE SETEMBRO NÃO FOI O MAIOR MASSACRE CONTRA A VIDA HUMANA, MAS DEVEMOS RECONHECER QUE: ESSE ATENTADO, TAMBÉM FOI COMO UMA LAVAGEM DE ALMA, ALTO ESTIMA LEVANTADA E UMA CICATRIZADA NO ORGULHO QUE ESTAVA A MUITO TEMPO FERIDO, PELA INTOLERANCIA DOS AMERICANOS. COMO DIZ LEONARDO BOFF OS ESTADOS UNIDOS PRECISAM RECONHECER QUE FORAM, OS SEUS PRÓPRIOS ATOS QUE MOTIVARAM AS AÇÕES TERRORISTAS CONTRA ELES . OS NORTE AMERICANOS OCUPARAM FÍSICAMENTE O AFEGANISTÃO DOS TALIBÃS E O IRAQUE. PORÉM OS TALIBÃS OCUPARAM PSICOLÓGICAMENTE AS MENTES DOS NORTE AMERICANOS. E COM CERTESA COMO SE DEU A PROFECIA DE BIN LADEM, FEITA EM  8 DE OUTUBRO DE 2002  OS ESTADOS UNIDOS NUNCA MAIS TERÃO PAZ, SEGURANÇA. HOJE O PAÍS É REFÉM DO MEDO DIFUSO.
PENSEMOS NISSO, O MUNDO ESTÁ SE AUTO DESTRUINDO CADA DIA E AS INTOLERÂNCIA, AUTO GOVERNAMENTAIS, ESTÃO LEVANDO O MUNDO PARA AUTO DESTRUIÇÃO.

sábado, 22 de outubro de 2011

    
Em algum lugar do Oriente Médio, por volta do século 10 a.C., uma pessoa decidiu escrever um livro. Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e começou a contar uma história mágica, diferente de tudo o que já havia sido escrito. Era tão forte, mas tão forte, que virou uma obsessão. Durante os 1 000 anos seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando aquele texto, que viria a se tornar o maior best seller de todos os tempos: a Bíblia. Ela apresentou uma teoria para o surgimento do homem, trouxe os fundamentos do judaísmo e do cristianismo, influenciou o surgimento do islã, mudou a história da arte – sem a Bíblia, não existiriam os afrescos de Michelangelo nem os quadros de Leonardo da Vinci – e nos legou noções básicas da vida moderna, como os direitos humanos e o livre-arbítrio. Mas quem escreveu, afinal, o livro mais importante que a humanidade já viu? Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem ditou a voz e o estilo de Deus? O que está na Bíblia deve ser levado ao pé da letra, o que até hoje provoca conflitos armados? A resposta tradicional você já conhece: segundo a tradição judaico-cristã, o autor da Bíblia é o próprio Todo-Poderoso. E ponto final. Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.
A própria Igreja admite que a revelação divina só veio até nós por meio de mãos humanas. A palavra do Senhor é sagrada, mas foi escrita por reles mortais. Como não sobraram vestígios nem evidências concretas da maioria deles, a chave para encontrá-los está na própria Bíblia. Mas ela não é um simples livro: imagine as Escrituras como uma biblioteca inteira, que guarda textos montados pelo tempo, pela história e pela fé. Aliás, o termo “Bíblia”, que usamos no singular, vem do plural grego ta biblia ta hagia – “os livros sagrados”. A tradição religiosa sempre sustentou que cada livro bíblico foi escrito por um autor claramente identificável. Os 5 primeiros livros do Antigo Testamento (que no judaísmo se chamam Torá e no catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo profeta Moisés por volta de 1200 a.C. Os Salmos seriam obra do rei Davi, o autor de Juízes seria o profeta Samuel, e assim por diante. Hoje, a maioria dos estudiosos acredita que os livros sagrados foram um trabalho coletivo. E há uma boa explicação para isso.
As histórias da Bíblia derivam de lendas surgidas na chamada Terra de Canaã, que hoje corresponde a Líbano, Palestina, Israel e pedaços da Jordânia, do Egito e da Síria. Durante séculos acreditou-se que Canaã fora dominada pelos hebreus. Mas descobertas recentes da arqueologia revelam que, na maior parte do tempo, Canaã não foi um Estado, mas uma terra sem fronteiras habitada por diversos povos – os hebreus eram apenas uma entre muitas tribos que andavam por ali. Por isso, sua cultura e seus escritos foram fortemente influenciadas por vizinhos como os cananeus, que viviam ali desde o ano 5000 a.C. E eles não foram os únicos a influenciar as histórias do livro sagrado.
As raízes da árvore bíblica também remontam aos sumérios, antigos habitantes do atual Iraque, que no 3o milênio a.C. escreveram a Epopéia de Gilgamesh. Essa história, protagonizada pelo semideus Gilgamesh, menciona uma enchente que devasta o mundo (e da qual algumas pessoas se salvam construindo um barco). Notou semelhanças com a Bíblia e seus textos sobre o dilúvio, a arca de Noé, o fato de Cristo ser humano e divino ao mesmo tempo? Não é mera coincidência. “A Bíblia era uma obra aberta, com influências de muitas culturas”, afirma o especialista em história antiga Anderson Zalewsky Vargas, da UFRGS.
Foi entre os séculos 10 e 9 a.C. que os escritores hebreus começaram a colocar essa sopa multicultural no papel. Isso aconteceu após o reinado de Davi, que teria unificado as tribos hebraicas num pequeno e frágil reino por volta do ano 1000 a.C. A primeira versão das Escrituras foi redigida nessa época e corresponde à maior parte do que hoje são o Gênesis e o Êxodo. Nesses livros, o tema principal é a relação passional (e às vezes conflituosa) entre Deus e os homens. Só que, logo no começo da Beeblia, já existiu uma divergência sobre o papel do homem e do Senhor na história toda. Isso porque o personagem principal, Deus, é tratado por dois nomes diferentes.
Em alguns trechos ele é chamado pelo nome próprio, Yahweh – traduzido em português como Javé ou Jeová. É um tratamento informal, como se o autor fosse íntimo de Deus. Em outros pontos, o Todo-Poderoso é chamado de Elohim, um título respeitoso e distante (que pode ser traduzido simplesmente como “Deus”). Como se explica isso? Para os fundamentalistas, não tem conversa: Moisés escreveu tudo sozinho e usou os dois nomes simplesmente porque quis. Só que um trecho desse texto narra a morte do próprio Moisés. Isso indica que ele não é o único autor. Os historiadores e a maioria dos religiosos aceitam outra teoria: esses textos tiveram pelo menos outros dois editores.
Acredita-se que os trechos que falam de Javé sejam os mais antigos, escritos numa época em que a religiosidade era menos formal. Eles contêm uma passagem reveladora: antes da criação do mundo, “Yahweh não derramara chuva sobre a terra, e nem havia homem para lavrar o solo”. Essa frase, “não havia homem para lavrar o solo”, indica que, na primeira versão da Bíblia, o homem não era apenas mais uma criação de Deus – ele desempenha um papel ativo e fundamental na história toda. “Nesse relato, o homem é co-criador do mundo”, diz o teólogo Humberto Gonçalves, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, no Rio Grande do Sul.
Pelo nome que usa para se referir a Deus (Javé), o autor desses trechos foi apelidado de Javista. Já o outro autor, que teria vivido por volta de 850 a.C., é apelidado de Eloísta. Mais sisudo e religioso, ele compôs uma narrativa bastante diferente. Ao contrário do Deus-Javé, que fez o mundo num único dia, o Deus-Elohim levou 6 (e descansou no 7o). Nessa história, a criação é um ato exclusivo de Deus, e o homem surge apenas no 6o dia, junto aos animais.
Tempos mais tarde, os dois relatos foram misturados por editores anônimos – e a narrativa do Eloísta, mais comportada, foi parar no início das Escrituras. Começando por aquela frase incrivelmente simples e poderosa, notória até entre quem nunca leu a Bíblia: “E, no início, Deus criou o céu e a terra...”
Em 589 a.C., Jerusalém foi arrasada pelos babilônios, e grande parte da população foi aprisionada e levada para o atual Iraque. Décadas depois, os hebreus foram libertados por Ciro, senhor do Império Persa – um conquistador “esclarecido”, que tinha tolerância religiosa. Aos poucos, os hebreus retornaram a Canaã – mas com sua fé transformada. Agora os sacerdotes judaicos rejeitavam o politeísmo e diziam que Javé era o único e absoluto deus do Universo. “O monoteísmo pode ter surgido pelo contato com os persas – a religião deles, o masdeísmo, pregava a existência de um deus bondoso, Ahura Mazda, em constante combate contra um deus maligno, Arimã. Essa noção se reflete até na idéia cristã de um combate entre Deus e o Diabo”, afirma Zalewsky, da UFRGS.
A versão final do Pentateuco surgiu por volta de 389 a.C. Nessa época, um religioso chamado Esdras liderou um grupo de sacerdotes que mudaram radicalmente o judaísmo – a começar por suas escrituras. Eles editaram os livros anteriores e escreveram a maior parte dos livros Deuteronômio, Números, Levítico e também um dos pontos altos da Bíblia: os 10 Mandamentos. Além de afirmar o monoteísmo sem sombra de dúvidas (“amarás a Deus acima de todas as coisas” é o primeiro mandamento), a reforma conduzida por Esdras impunha leis religiosas bem rígidas, como a proibição do casamento entre hebreus e não-hebreus. Algumas das leis encontradas no Levítico se assemelham à ética moderna dos direitos humanos: “Se um estrangeiro vier morar convosco, não o maltrates. Ama-o como se fosse um de vós”.
Outras passagens, no entanto, descrevem um Senhor belicoso, vingativo e sanguinário, que ordena o extermínio de cidades inteiras – mulheres e crianças incluídas. “Se a religião prega a compaixão, por que os textos sagrados têm tanto ódio?”, pergunta a historiadora americana Karen Armstrong, autora de um novo e provocativo estudo sobre a Bíblia. Para os especialistas, a violência do Antigo Testamento é fruto dos séculos de guerras com os assírios e os babilônios. Os autores do livro sagrado foram influenciados por essa atmosfera de ódio, e daí surgiram as histórias em que Deus se mostra bastante violento e até cruel. Os redatores da Bíblia estavam extravasando sua angústia.
Por volta do ano 200 a.C., o cânone (conjunto de livros sagrados) hebraico já estava finalizado e começou a se alastrar pelo Oriente Médio. A primeira tradução completa do Antigo Testamento é dessa época. Ela foi feita a mando do rei Ptolomeu 2o em Alexandria, no Egito, grande centro cultural da época. Segundo uma lenda, essa tradução (de hebraico para grego) foi realizada por 72 sábios judeus. Por isso, o texto é conhecido como Septuaginta. Além da tradução grega, também surgiram versões do Antigo Testamento no idioma aramaico – que era uma espécie de língua franca do Oriente Médio naquela época.
Dois séculos mais tarde, a Bíblia em aramaico estava bombando: ela era a mais lida na Judéia, na Samária e na Galiléia (províncias que formam os atuais territórios de Israel e da Palestina). Foi aí que um jovem judeu, grande personagem desta história, começou a se destacar. Como Sócrates, Buda e outros pensadores que mudaram o mundo, Jesus de Nazaré nada deixou por escrito – os primeiros textos sobre ele foram produzidos décadas após sua morte.
E o cristianismo já nasceu perseguido: por se recusarem a cultuar os deuses oficiais, os cristãos eram considerados subversivos pelo Império Romano, que dominava boa parte do Oriente Médio desde o século 1 a.C. Foi nesse clima de medo que os cristãos passaram a colocar no papel as histórias de Jesus, que circulavam em aramaico e também em coiné – um dialeto grego falado pelos mais pobres. “Os cristãos queriam compreender suas origens e debater seus problemas de identidade”, diz o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Para fazer isso, criaram um novo gênero literário: o evangelho. Esse termo, que vem do grego evangélion (“boa-nova”), é um tipo de narrativa religiosa contando os milagres, os ensinamentos e a vida do Messias.
A maioria dos evangelhos escritos nos séculos 1 e 2 desapareceu. Naquela época, um “livro” era um amontoado de papiros avulsos, enrolados em forma de pergaminho, podendo ser facilmente extraviados e perdidos. Mas alguns evangelhos foram copiados e recopiados à mão, por membros da Igreja. Até que, por volta do século 4, tomaram o formato de códice – um conjunto de folhas de couro encadernadas, ancestral do livro moderno. O problema é que, a essa altura do campeonato, gerações e gerações de copiadores já haviam introduzido alterações nos textos originais – seja por descuido, seja de propósito. “Muitos erros foram feitos nas cópias, erros que às vezes mudaram o sentido dos textos. Em certos casos, tais erros foram também propositais, de acordo com a teologia do escrivão”, afirma o padre e teólogo Luigi Schiavo, da Universidade Católica de Goiás. Quer ver um exemplo?
Sabe aquela famosa cena em que Jesus salva uma adúltera prestes a ser apedrejada? De acordo com especialistas, esse trecho foi inserido no Evangelho de João por algum escriba, por volta do século 3. Isso porque, na época, o cristianismo estava cortando seu cordão umbilical com o judaísmo. E apedrejar adúlteras é uma das leis que os sacerdotes-escritores judeus haviam colocado no Pentateuco. A introdução da cena em que Jesus salva a adúltera passa a idéia de que os ensinamentos de Cristo haviam superado a Torá – e, portanto, os cristãos já não precisavam respeitar ao pé da letra todos os ensinamentos judeus.
A julgar pelo último livro da Bíblia cristã, o Apocalipse (que descreve o fim do mundo), o receio de ter suas narrativas “editadas” era comum entre os autores do Novo Testamento. No versículo 18, lê-se uma terrível ameaça: “Se alguém fizer acréscimos às páginas deste livro, Deus o castigará com as pragas descritas aqui”. Essa ameaça reflete bem o clima dos primeiros séculos do cristianismo: uma verdadeira baderna teológica, com montes de seitas defendendo idéias diferentes sobre Deus e o Messias. A seita dos docetas, por exemplo, acreditava que Jesus não teve um corpo físico. Ele seria um espírito, e sua crucificação e morte não passariam – literalmente – de ilusão de ótica. Já os ebionistas acreditavam que Jesus não nascera Filho de Deus, mas fora adotado, já adulto, pelo Senhor. A primeira tentativa de organizar esse caos das Escrituras ocorreu por volta de 142 – e o responsável não foi um clérigo, mas um rico comerciante de navios chamado Marcião.
A Bíblia segundo Marcião
Ele nasceu na atual Turquia, foi para Roma, converteu-se ao cristianismo, virou um teólogo influente e resolveu montar sua própria seleção de textos sagrados. A Bíblia de Marcião era bem diferente da que conhecemos hoje. Isso porque ele simpatizava com uma seita cristã hoje desaparecida, o gnosticismo. Para os gnósticos, o Deus do Velho Testamento não era o mesmo que enviara Jesus – na verdade, as duas divindades seriam inimigas mortais. O Deus hebraico era monstruoso e sanguinário, e controlava apenas o mundo material. Já o universo espiritual seria dominado por um Deus bondoso, o pai de Jesus. A Bíblia editada por Marcião continha apenas o Evangelho de João, 11 cartas de Paulo e nenhuma página do Velho Testamento. Se as idéias de Marcião tivessem triunfado, hoje as histórias de Adão e Eva no paraíso, a arca de Noé e a travessia do mar Vermelho não fariam parte da cultura ocidental. Mas, por volta de 170, o gnosticismo foi declarado proibido pelas autoridades eclesiásticas, e o primeiro editor da Bíblia cristã acabou excomungado.
Roma, até então pior inimiga dos cristãos, ia se rendendo à nova fé. Em 313, o imperador romano Constantino se aliou à Igreja. Ele pretendia usar a força crescente da nova religião para fortalecer seu império. Para isso, no entanto, precisava de uma fé una e sólida. A pressão de Constantino levou os mais influentes bispos cristãos a se reunirem no Concílio de Nicéia, em 325, para colocar ordem na casa de Deus. Ali, surgiu o cânone do cristianismo – a lista oficial de livros que, segundo a Igreja, realmente haviam sido inspirados por Deus.
“A escolha também era política. Um grupo afirmou seu poder e autoridade sobre os outros”, diz o padre Luigi. Esse grupo era o dos cristãos apostólicos, que ganharam poder ao se aliar com o Império Romano. Os apostólicos eram, por assim dizer, o “partido do governo”. E por isso definiram o que iria entrar, ou ser eliminado, das Escrituras.
Eles escolheram os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João para representar a biografia oficial de Cristo, enquanto as invenções dos docetas, dos ebionistas e de outras seitas foram excluídas, e seus autores declarados hereges. Os textos excluídos do cânone ganharam o nome de “apócrifos” – palavra que vem do grego apocrypha, “o que foi ocultado”. A maioria dos apócrifos se perdeu – afinal de contas, os escribas da Igreja não estavam interessados em recopiá-los para a posteridade. Mas, com o surgimento da arqueologia, no século 19, pedaços desses textos foram encontrados nas areias do Oriente Médio. É o caso de um polêmico texto encontrado em 1886 no Egito. Ele é assinado por uma certa “Maria” que muitos acreditam ser a Madalena, discípula de Jesus, presente em vários trechos do Novo Testamento. O evangelho atribuído a ela é bem feminista: Madalena é descrita como uma figura tão importante quanto Pedro e os outros apóstolos. Nos primórdios do cristianismo, as mulheres eram aceitas no clero – e eram, inclusive, consideradas capazes de fazer profecias. Foi só no século 3 que o sacerdócio virou monopólio masculino, o que explicaria a censura da apóstola e seu testemunho. Aliás, tudo indica que Madalena não foi prostituta – idéia que teria surgido por um erro na interpretação do livro sagrado. No ano 591, o papa Gregório fez um sermão dizendo que Madalena e outra mulher, também citada nas Escrituras e essa sim ex-pecadora, na verdade seriam a mesma pessoa (em 1967, o Vaticano desfez o equívoco, limpando a reputação de Maria).
Na evolução da Bíblia, foram aparecendo vários trechos machistas – e suspeitos. É o caso de uma passagem atribuída ao apóstolo Paulo: “A mulher aprenda (...) com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem (...) porque Adão foi formado primeiro, e depois Eva”. É provável que Paulo jamais tenha escrito essas palavras – porque, na época em que ele viveu, o cristianismo não pregava a submissão da mulher. Acredita-se que essa parte tenha sido adicionada por algum escriba por volta do século 2.
Após a conversão do imperador Constantino, o eixo do cristianismo se deslocou do Oriente Médio para Roma. Só que, para completar a romanização da fé, faltava um passo: traduzir a palavra de Deus para o latim. A missão coube ao teólogo Eusebius Hyeronimus, que mais tarde viria a ser canonizado com o nome de são Jerônimo. Sob ordens do papa Damaso, ele viajou a Jerusalém em 406 para aprender hebraico e traduzir o Antigo e o Novo Testamento. Não foi nada fácil: o trabalho durou 17 anos.
Daí saiu a Vulgata, a Bíblia latina, que até hoje é o texto oficial da Igreja Católica. Essa é a Bíblia que todo mundo conhece. “A Vulgata foi o alicerce da Igreja no Ocidente”, explica o padre Luigi. Ela é tão influente, mas tão influente, que até seus erros de tradução se tornaram clássicos. Ao traduzir uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do profeta Moisés, são Jerônimo escreveu em latim: cornuta esse facies sua, ou seja, “sua face tinha chifres”. Esse detalhe esquisito foi levado a sério por artistas como Michelangelo – sua famosa escultura representando Moisés, hoje exposta no Vaticano, está ornada com dois belos corninhos. Tudo porque Jerônimo tropeçou na palavra hebraica karan, que pode significar tanto “chifre” quanto “raio de luz”. A tradução correta está na Septuaginta: o profeta tinha o rosto iluminado, e não chifrudo. Apesar de erros como esse, a Vulgata reinou absoluta ao longo da Idade Média – durante séculos, não houve outras traduções.
O único jeito de disseminar o livro sagrado era copiá-lo à mão, tarefa realizada pelos monges copistas. Eles raramente saíam dos mosteiros e passavam a vida copiando e catalogando manuscritos antigos. Só que, às vezes, também se metiam a fazer o papel de autores.
Após a queda do Império Romano, grande parte da literatura da Antiguidade grega e romana se perdeu – foi graças ao trabalho dos monges copistas que livros como a Ilíada e a Odisséia chegaram até nós. Mas alguns deles eram meio malandros: costumavam interpolar textos nas Escrituras Sagradas para agradar a reis e imperadores. No século 15, por exemplo, monges espanhóis trocaram o termo “babilônios” por “infiéis” no texto do Antigo Testamento – um truque para atacar os muçulmanos, que disputavam com os espanhóis a posse da península Ibérica.
Escrituras em série
Tudo isso mudou após a invenção da imprensa, em 1455. Agora ninguém mais dependia dos copistas para multiplicar os exemplares da Bíblia. Por isso, o grande foco de mudanças no texto sagrado passou a ser outro: as traduções.Em 1522, o pastor Martinho Lutero usou a imprensa para divulgar em massa sua tradução da Bíblia, que tinha feito direto do hebraico e do grego para o alemão. Era a primeira vez que o texto sagrado era vertido numa língua moderna – e a nova versão trouxe várias mudanças, que provocavam a Igreja (veja quadro na pág. 65). Logo depois um britânico, William Tyndale, ousou traduzir a Bíblia para o inglês. No Novo Testamento, ele traduziu a palavra ecclesia por “congregação”, em vez de “igreja”, o termo preferido pelas traduções católicas. A mudança nessa palavrinha era um desafio ao poder dos papas: como era protestante, Tyndale tinha suas diferenças com a Igreja. Resultado? Ele foi queimado como herege em 1536. Mas até hoje seu trabalho é referência para as versões inglesas do livro sagrado.
A Bíblia chegou ao nosso idioma em 1753 – quando foi publicada sua primeira tradução completa para o português, feita pelo protestante João Ferreira de Almeida. Hoje, a tradução considerada oficial é a feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e lançada em 2001. Ela é considerada mais simples e coloquial que as traduções anteriores. De lá para cá, a Bíblia ganhou o mundo e as línguas. Já foi vertida para mais de 300 idiomas e continua um dos livros mais influentes do mundo: todos os anos, são publicadas 11 milhões de cópias do texto integral, e 14 milhões só do Novo Testamento.
Depois de tantos séculos de versões e contra-versões, ainda não há consenso sobre a forma certa de traduzi-la. Alguns buscam traduções mais próximas do sentido e da época original – como as passagens traduzidas do hebraico pelo lingüista David Rosenberg na obra O Livro de J, de 1990. Outros acham que a Bíblia deve ser modernizada para atrair leitores. O lingüista Eugene Nida, que verteu a Bíblia na década de 1960, chegou ao extremo de traduzir a palavra “sestércios”, a antiga moeda romana, por “dólares”. Em 2008, duas versões igualmente ousadas estão agitando as Escrituras: a Green Bible (“Bíblia Verde”, ainda sem versão em português), que destaca 1 000 passagens relacionadas à ecologia – como o momento em que Jó fala sobre os animais –, e a Bible Illuminated (‘Bíblia Iluminada”, em inglês), com design ultramoderno e fotos de celebridades como Nelson Mandela e Angelina Jolie.
A Bíblia se transforma, mas uma coisa não muda: cada pessoa, ou grupo de pessoas, a interpreta de uma maneira diferente – às vezes, com propósitos equivocados. Em pleno século 21, pastores fundamentalistas tentam proibir o ensino da Teoria da Evolução nas escolas dos EUA, sendo que a própria Igreja aceita as teorias de Darwin desde a década de 1950. Líderes como o pastor Jerry Falwell defendem o retorno da escravidão e o apedrejamento de adúlteros, e no Oriente Médio rabinos extremistas usam trechos da Torá para justificar a ocupação de terras árabes. Por quê? Porque está na Bíblia, dizem os radicais. Não é nada disso. Hoje, os principais estudiosos afirmam que a Bíblia não deve ser lida como um manual de regras literais – e sim como o relato da jornada, tortuosa e cheia de percalços, do ser humano em busca de Deus. Porque esse é, afinal, o verdadeiro sentido dessa árvore de histórias regada há 3 mil anos por centenas de mãos, cabeças e corações humanos: a crença num sentido transcendente da existência.

Top 5 pragas

I. Quando os hebreus eram escravos no Egito, o Senhor enviou 10 pragas contra os opressores do povo escolhido. A primeira delas foi transformar toda a água do país em sangue (Êxodo 7:21).
II. Como o faraó não libertava os hebreus, o Senhor radicalizou: matou, numa só noite, todos os primogênitos do Egito. “E houve grande clamor no país, pois não havia casa onde não houvesse um morto” (Êxodo 12:30).
III. Desgostoso com os pecados de Sodoma e Gomorra, Deus destruiu as duas cidades com uma chuvarada de fogo e enxofre (Gênesis 19:24).
IV. Para punir as deso­bediências do rei Davi, o Senhor enviou uma doença não identificada, que matou 70 mil homens e 200 mil mulheres e crianças (2 Samuel, 24: 1-13).
V. Quando a nação dos filisteus roubou a arca da Aliança, onde estavam guardados os 10 Mandamentos, o Senhor os castigou com um surto de hemorróidas letais. “Os intestinos lhes saíam para fora e apodreciam” (1 Samuel 5:9) .

Os possíveis autores

1200 a.C. - Moisés
Segundo uma lenda judaica, a Torá (obra precursora da Bíblia) teria sido escrita por ele. Mas há controvérsias, pois existe um trecho da Torá que diz: “Moisés morreu e foi sepultado pelo Senhor próximo a Fegor”. Ora, se Moisés é o autor do texto, como ele poderia ter relatado a própria morte?
1000 a.C. - Javista
Viveu na corte do rei Davi, no antigo reino de Israel, e era um aristocrata. Ou, quem sabe, uma aristocrata: para o crítico Harold Bloom, Javista era mulher. Isso porque os personagens femininos da Bíblia (Eva e Sara, por exemplo) são muito mais elaborados que os masculinos.
Século 4 a.C. - Esdras
Líder religioso que reformou o judaísmo e possível editor do Pentateuco (5 primeiros livros da Bíblia). Vários trechos bíblicos editados por ele pregam a violência: “Derrubareis todos os altares dos povos que ides expropriar, queimareis as casas, e mudareis os nomes desses lugares”.
Século 1 - Paulo
Nunca viu Cristo pessoalmente, mas foi o primeiro a escrever sobre ele. Nascido na Turquia, Paulo viajou e fundou igrejas pelo Oriente Médio. Ele escrevia cartas para essas igrejas, contando a incrível aventura de um tal Jesus – que foi crucificado e ressuscitou.
Século 1 - Maria Madalena
Estava entre os discípulos favoritos de Jesus – e, diferentemente do que o Vaticano sustentou durante séculos, nunca foi prostituta. Pelo contrário: tinha influência no cristianismo e é a suposta autora do Apócrifo de Maria, um livro em que fala sobre sua relação pessoal com Jesus e divulga os ensinamentos dele.
Século 1 - João
Escreveu o 4o evangelho do Novo Testamento (João) e o Livro do Apocalipse, o último da Bíblia. Para ele, Jesus não é apenas um messias – é um ser sobrenatural, a própria encarnação de Deus. Essa interpretação mística marca a ruptura definitiva entre judaísmo e fé cristã.
Século 5 - Jerônimo
Nascido no território da atual Hungria, este padre foi enviado a Jerusalém com uma missão importantíssima: traduzir a Bíblia do grego para o latim. Cometeu alguns erros, como dizer que o profeta Moisés tinha chifres (uma confusão com a palavra hebraica karan, que na verdade significa “raio de luz”).
Século 16 - William Tyndale
Possuir trechos da Bíblia em qualquer idioma que não fosse o latim era crime. O professor Tyndale não quis nem saber, traduziu tudo para o inglês, e acabou na fogueira. Mas seu trabalho foi incrivelmente influente: é a base da chamada “Bíblia do Rei James”, até hoje a tradução mais lida nos países de língua inglesa.

Top 5 matanças

I. Um grupo de meninos malcriados zombou da calvície do profeta Eliseu. Pra quê! Na hora, dois ursos famintos saíram de um bosque e comeram as crianças (2 Reis 2:24).
II. Cercado por um exército de filisteus, o herói Sansão apanhou a mandíbula de um jumento morto. Usando o osso como arma, ele massacrou mil inimigos (Juízes, 15:16).
III. O profeta Elias convidou os sacerdotes do deus Baal para uma competição de orações. Era uma armadilha: Elias incitou o povo, que linchou os pagãos (1 Reis 18:40).
VI. Os judeus haviam perdido a fé e começaram a adorar um bezerro de ouro. Moisés ficou furioso e mandou sacerdotes levitas matar 3 mil infiéis (Êxodo 32:19).
V. A nação dos amalequitas disputava o território de Canaã com os judeus. O Senhor ordena que todos os amalequitas sejam chacinados (1 Samuel 15:18).
I. Após a destruição de Sodoma, os únicos sobreviventes eram Ló e suas duas filhas. As filhas de Lot embebedaram o pai e tiveram com ele a noite mais incestuosa da Bíblia (Gênesis 19:31).
II. O Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão, é altamente erótico. Um dos trechos: “Teu corpo é como a palmeira, e teus seios, como cachos de uvas” (Cânticos 7:7).
III. Os anjos do Senhor tiveram chamegos ilícitos com mulheres mortais. “Vendo os Filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram-nas como mulheres, tantas quanto desejaram” (Gênesis 6:2).
IV. A Bíblia diz que os antigos egípcios eram muito bem-dotados. Após a fuga para Canaã, a judia Ooliba tem saudades dos tempos em que se prostituía no Egito. Tudo porque “seus amantes (...) ejaculavam como cavalos” (Ezequiel 23:20).
V. O hebreu Onã casou com a viúva de seu irmão, mas não conseguia fazer sexo com ela – preferia o prazer solitário. Do nome dele vem o termo “onanismo”, que significa masturbação (Gênesis 38:9).

As história da história

Como o livro sagrado evoluiu ao longo dos tempos
Tanach - Século 5 a.C.
É a Bíblia judaica, e tem 3 livros: Torá (palavra hebraica que significa “lei”), Nebiim (“profetas”) e Ketuvim (“escritos”). É parecida com a Bíblia atual, pois os católicos copiaram seus escritos. Contém as sementes do monoteísmo e da ética religiosa, mas também pregações de violência. A primeira das bíblias tem trechos ambíguos e misteriosos – algumas passagens dão a entender que Javé não é o único deus do Universo.
Septuaginta - Século 3 a.C.
O Oriente Médio era dominado pelos gregos e pelos macedônios. Muitos judeus viviam em cidades de cultura grega, como Alexandria, e desejavam adaptar sua religião aos novos tempos. Diz a lenda que Ptolomeu, rei do Egito, reuniu um grupo de 72 sábios judeus para traduzir a Tanach – e fizeram tudo em 72 dias. Por isso, o resultado é conhecido como Septuaginta. Inclui textos que não constam da Tanach.
Novo Testamento - Século 1
A língua do Antigo Testamento é o hebraico, mas o Novo Testamento foi escrito num dialeto grego chamado coiné. Contém os relatos sobre vida, milagres, morte e ressurreição de Jesus – os evangelhos. Em alguns trechos, vai deixando evidente a divergência entre cristianismo e judaísmo. É o caso, por exemplo, do Evangelho de João, em que Jesus é descrito como uma encarnação de Deus (coisa na qual os judeus não acreditavam).
Católica - Século 4
Seus autores decidiram incluir 7 livros que os judeus não reconheciam. São os chamados Deuterocanônicos: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, Macabeus 1 e 2 (mais trechos dos livros Daniel e Ester). A Bíblia católica bate na tecla do monoteísmo: a palavra hebraica Elohim, usada na Tanach para designar a divindade, é o plural de El, um deus cananeu. Mas foi traduzida no singular e virou “Senhor”.
Ortodoxa - Por volta do século 4
É baseada na Septuaginta, mas também inclui livros considerados apócrifos por católicos e protestantes: Esdras 1, Macabeus 3 e 4 e o Salmo 151. A tradução é mais exata (nesta Bíblia, Moisés nunca teve chifres, um erro de tradução introduzido pela Bíblia latina), e os escritos não são levados ao pé da letra: para os ortodoxos, o que conta são as interpretações do texto bíblico, feitas por teólogos ao longo dos séculos.
Protestante - Século 16
Ao traduzir a Bíblia para o alemão, Martinho Lutero excluiu os livros Deuterocanônicos e mudou algumas coisas. Um exemplo é a palavra grega metanoia, que na Bíblia católica significa “fazer penitência” – uma referência à confissão dos pecados, um dos sacramentos católicos. Já Lutero traduziu metanoia como “reviravolta”. Para ele, confessar os pecados era inútil. O importante era transformar a vida pela fé.

Top 5 milagres

I. O maior de todos os milagres divinos foi o primeiro: a Criação do mundo, pelo poder da palavra. “E Deus disse: que haja luz. E houve luz” (Gênesis 1:3).
II. Para dar-lhe uma amostra de seus poderes, o Senhor leva Ezequiel a um campo cheio de esqueletos – e os traz de volta à vida. “O vento do Senhor soprou neles, e viveram” (Ezequiel, 37; 1-28).
III. Graças à benção divina, o herói Sansão tinha a força de muitos homens. Certa vez, foi atacado por um leão. “O espírito do Senhor deu-lhe poder, e Sansão destroçou a fera com as próprias mãos, como se matasse um cabrito” (Juízes 14:6).
IV. Josué liderava uma batalha contra os amalequitas, mas o Sol estava se pondo. Como não queria lutar no escuro, o hebreu pediu ajuda divina – e o Sol ficou no céu (Josué 10:13).
V. Para fugir do Egito, os hebreus precisavam atravessar o mar Vermelho. E não tinham navios. Moisés ergueu seu bastão e as águas do mar se dividiram. Após a passagem dos hebreus, o profeta deixou que as ondas se fechassem sobre os exércitos do faraó (Êxodo 14; 21-30).